Sábado, 05 de dezembro de 2015
Opinião
Años
lentos é a
segunda obra que leio de Fernando Aramburu e quero que não seja a última. Embora
tenha que afirmar, desde já, que não me conquistou como me havia conquistado Os peixes de amargura, este
romance, que adquiri na última vez que estive em terras espanholas, ganhou o “Premio Tusquets Editores de novela” e
possui ingredientes certeiros para que o olhe com carinho, admire a sua bela
capa, sonhe mais uma vez com uma muito desejada viagem até terras bascas e lhe
dê crédito mais do que suficiente para continuar a querer ler mais Fernando
Aramburu.
Construído com originalidade, Años lentos chega-nos com um
formato pouco habitual, já que não se assemelha a um romance já terminado, ao
produto final, mas sim ao trabalho prévio que o autor levou a cabo, ou seja,
por um lado somos, tal como o próprio Aramburu, ouvintes das memórias que a
personagem principal confidencia ao autor e por outro este presenteia-nos com
os seus “apuntes”, com o rascunho do que terá em conta para a criação da futura
obra. Sendo assim, não só temos o privilégio de ler mais uma história saída das
mãos e engenho deste consagrado autor, como temos a oportunidade rara de adentrar-nos
no seu universo linguístico, estilístico e compreendermos as dúvidas,
incertezas, investigações e questionamentos de como, em última análise, criar
uma obra verosímil, adequada à faixa etária a que se destina e digna de ser
publicada e de honrar não só o seu autor como os seus leitores.
O propósito deste livro reside nas
memórias que Txiki (cujo verdadeiro nome ignoramos) vai desfiando da sua
infância passada em casa de uns tios que viviam num bairro de San Sebastián.
Com apenas oito anos, deixa a sua terra natal em Navarra e é acolhido pela irmã
da sua mãe, porque a sua progenitora não tem condições de criar os seus três filhos.
Nos anos em que vive com a sua tia Maripuy, o seu tio Vicentico, a sua prima
Mari Nieves e o seu primo Julen, Txiki é testemunha da rotina de uma família
remediada, simples e de um bairro também ele composto por outras famílias
remediadas, simples, que levam a vida como podem num país governado por um
ditador já caquético, mas cuja mão implacável e torturadora ainda consegue
impor-se e abafar sonhos, ideais ou apenas o desejo de uma vida melhor, livre.
É uma época que passa devagar, de anos lentos, nos quais “los minutos de la dictadura duraban un minuto y medio o dos”, mas
que não parece afetar grandemente a rotina feita de ninharias, coscuvilhices,
ódios, desprezos, preconceitos, religiosidade beata, violência verbal e física
da família de Txiki. Não há demonstração de afetos, os diálogos são parcos e a
miúde povoados de ofensas, reclamações, ameaças ou mexericos sobre gente do
bairro, inclusive o padre da paróquia.
Temos consciência de que a ação se
desenrola na década de sessenta, que a ditadura franquista ainda impera, que a
repressão abafa qualquer vestígio revolucionário, mas nesta obra apenas nos
damos conta disso com as óbvias referências temporais, com a descrição de uma
visita com o obrigatório desfile da autoridade de Franco e com um grupo de
jovens rudes e pouco letrados que acompanha o padre da paróquia nas suas
deambulações pelas montanhas que rodeiam San Sebastián, pelo afinco do mesmo em
ensinar-lhes o “euskera”, pela devoção que vão mostrando pela “Ikurriña”, a
bandeira do país basco, e pelo ódio que vão alimentando às forças nacionalistas
e opressoras. Excetuando estes “pequenos pormenores”, poderíamos afirmar que a
obra é somente o retrato de um bairro qualquer, onde o orgulho basco na sua
língua quase não transparece, onde os habitantes de um bairro remediado,
operário, se comportam como os habitantes de qualquer bairro com
características semelhantes e onde impera a pouca privacidade, o mexerico
feroz, as amizades que se transformam num ápice em inimizades, o preconceito e
uma vida que se arrasta sem lampejos de mudança.
Talvez a ironia e a mensagem da obra
esteja aí. Talvez a simplicidade, a banalidade, a rotina sem grandes percalços ilustrem
os anos que precederam à caída da ditadura e espelhem a lentidão com que o
tempo passava, a adaptação de uma sociedade a uma existência amarga e o
conformar-se com isso. Talvez o autor tenha querido mostrar também o quanto o desejo
e a ânsia de uma independência basca nasceram com pequenos atos e que esses
atos estiveram por detrás da emergência de uma luta armada e do nascimento da
ETA.
Años
lentos pode assim
ser um retrato fiel de um dos estratos mais baixos da sociedade basca. Aí senti
que o autor consegue cativar-nos e ser verosímil. Já que no que diz respeito ao
que esteve por detrás do nascimento da ETA, o autor dá-nos uma imagem muito
superficial, com muitos fios soltos e, na minha opinião, demasiado simplista e
pouco credível.
Resumindo, gostei da obra. Gostei da
sua originalidade, de estar em contacto direto com o autor e com um exemplo de
como faz “o trabalho de casa” para criar mais uma obra e da sua ironia e
agudeza no retratar de uma gente que é a sua gente. Não gostei da simplicidade
e alguma ligeireza com que abordou algo tão complexo como foi o nascimento da
ETA e da luta armada e fratricida que abalou Espanha nos finais do século XX.
NOTA – 08/10
Sinopse
A finales de la década de los sesenta, el
protagonista, un niño de ocho años, se va a San Sebastián a vivir con sus tíos.
Allí es testigo de cómo transcurren los días en la familia y el barrio: su tío
Vicente, de carácter débil, reparte su vida entre la fábrica y la taberna, y es
su tía Maripuy, mujer de fuerte personalidad pero sometida a las convenciones
sociales y religiosas de la época, quien en realidad gobierna la familia; su
prima Mari Nieves vive obsesionada por los chicos, y el hosco y taciturno primo
Julen es adoctrinado por el cura de la parroquia para acabar enrolado en una
incipiente ETA. El destino de todos ellos – que es el de tantos personajes
secundarios de la Historia, arrinconados entre la necesidad y la ignorancia–
sufrirá, años después, un quiebro. Alternando las memorias del protagonista con
los apuntes del escritor, Años
lentos ofrece además una brillante reflexión sobre cómo la vida
se destila en una novela, cómo se trasvasa el recuerdo sentimental en memoria
colectiva, mientras su escritura diáfana deja ver un fondo turbio de culpa en
la historia reciente del País Vasco.
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