Ficha técnica
Título
– História do novo nome
Autora
– Elena Ferrante
Coleção
– Tetralogia de Nápoles – segundo volume
Editora
– Relógio D’Água Editores
Páginas
– 372
Datas
de leitura – de 31 de dezembro de 2015 a 8 de janeiro de 2016
Opinião
Entrei no novo ano na companhia de Lenú
e Lina/Lila. Estreei-me neste ano mais redondo, como diz o meu filhote,
viajando no tempo e no espaço e tornei a embrenhar-me nas ruas decrépitas de um
dos bairros decrépitos de Nápoles dos anos sessenta. Voltei a frequentar as casas
de famílias que já conhecia do primeiro volume desta tetralogia, voltei a
percorrer ruas, praças e outros espaços de Nápoles e sobretudo voltei a
sentir-me estupefacta e assolapada com um microuniverso que, encerrado nas
fronteiras do bairro onde as duas protagonistas nasceram e cresceram, rebenta
de uma tal violência física, verbal, psicológica, social que nos aturde e
entorpece.
As teias que a autora usou e entreteceu
na criação do primeiro volume desta tetralogia mantêm-se. As personagens são
praticamente as mesmas, deambulam quase sempre pelos mesmos espaços e
limitaram-se a crescer e a seguir a vida que lhes foi destinada desde que
nasceram. Trabalham onde estava destinado trabalhar, os filhos seguem as
pisadas dos progenitores, aprendem com eles a pagar com violência, a não
confiar em ninguém e a invejar com um ódio latente aqueles que foram bafejados
com a sorte de ter uma vida melhor do que eles.
Foi neste cenário que conhecemos no
primeiro volume as duas protagonistas desta soberba história urdida pelo
talento formidável de Elena Ferrante. Lenú e Lina provêm de duas famílias de
trabalhadores remediados e desde muito pequenas que as une uma amizade
peculiar, forte, repleta de sentimentos intensos, contraditórios, onde o amor e
a admiração andam de mão dada com o ressentimento, o ódio e o rancor. São duas
crianças e agora jovens completamente distintas e cujo destino também fez o
favor de ainda mais distinguir. No final do primeiro volume, assistimos ao
casamento de Lina com apenas dezasseis anos, enquanto Lenú é a única rapariga
do bairro que conseguiu singrar nos estudos e frequentar o liceu. A primeira,
apesar de ter dado frequentemente provas de que possui mais inteligência de que
a sua amiga, viu a sua vida de estudante terminar abruptamente com um não dos
pais. Considero que nunca mais se refez dessa negativa e que, a partir daí, os
seus atos, a sua conduta para com os outros e para consigo mesmo, foram um
espelho disso mesmo e da vontade indomável de provar a todos que mudaria a sua
vida, que seria alguém, nem que tivesse que espezinhar todo aquele que se
metesse no seu caminho. Assim o fez. Desde o dia do seu casamento, Lina faz e
desfaz, é implacável, fria, déspota, rebaixa quem está ao seu lado apenas com o
olhar, não verga nem com as surras que apanha do marido. Contudo, essa fachada
de obstinação, de força e de desdém para com tudo e todos esconde uma menina
que se sente morta por dentro, que aterroriza face ao que escolheu para a sua
própria vida e que apenas desabrocha quando se apaixona pela primeira vez. O
amor por alguém que a faz florescer não só como mulher mas também como o ser
inteligentíssimo que é, que a faz ter outra vez sede de conhecimento, produz
uma reviravolta total naquilo que era uma existência árida, pontuada de violência
e despoleta em Lina uma vontade e força tais que a levará a tomar atitudes
drásticas, das quais ela nunca mais se esquecerá.
Mais uma vez, tal como acontecera no
primeiro volume, enquanto a vida de Lina é como um mar revolto, o dia-a-dia de
Lenú pauta-se pela estagnação e por um outro género de batalha – a vontade de
afirmar-se, de ser um exemplo para um bairro que não está acostumado a que os
seus filhos prossigam os estudos. A vontade de afirmar-se sobretudo perante
Lina, a sua melhor amiga. A vontade de finalmente poder provar de que era
melhor do que ela em algo, de buscar as ferramentas para sair da sordidez
daquele bairro e ser mais do que a Lenú, filha dos porteiros, a Lenú, amiga de
Lina, a Lenú gordinha e dos óculos quase maiores que a sua cara. Assim,
acompanhamos todo o seu esforço e todos os seus sacrifícios, as suas batalhas
diárias para conseguir estudar o que sabe que é necessário, as frustrações
quando não alcança as notas que quer, as vergonhas e o fingimento que veste
cada vez que os outros se dão conta da sua ignorância, da sua pobreza, do seu
sotaque de napolitana de bairro e a amarga constatação de que, por muito que
estude, por muito que se esforce sempre se sentirá segunda em relação a Lina.
A grandeza e pujança deste segundo
volume estão nos detalhes que constroem o seu antecessor. Elena Ferrante é
detentora de um estilo e de uma competência tão suculentos que transformam a
leitura de, atrevo-me a dizer, qualquer uma das suas obras numa experiência
absorvente, transfiguradora, quase inigualável, tal é a força, a violência, a
complexidade de sentimentos que desperta, a raiva, o rancor, o desprezo que sentimos
entrelaçados com a compaixão, a felicidade, a tristeza, a angústia. As
personagens, principalmente as protagonistas estão maravilhosamente bem
construídas, são redondas, repletas de contrastes e contradições, mexem
connosco incessantemente, não nos abandonam durante a leitura (nem mesmo
depois), fazem questão de fazer parte do nosso quotidiano e deixam uma marca
indelével. Por outro lado, o contexto espacial, temporal, histórico e social é
outra das mais-valias desta tetralogia. A caracterização do bairro, da gente
que o habita, de Nápoles e de outros espaços italianos são o espelho da sociedade
napolitana dos anos sessenta, de uma pobreza explorada sem misericórdia por gente
com ligações “camorrianas”, de como os tentáculos da Máfia se infiltravam em
todos os meios, mais ou menos favorecidos, e de como era praticamente impossível
escapar a tudo isto.
Termino esta primeira opinião do ano
dizendo que, por muito que tenha gostado de A
amiga genial, História do novo
nome é ainda mais arrebatadora (talvez porque as duas amigas já são
quase adultas e assim mais próximas da minha faixa etária), mais sofrida, mais pungente,
enfim mais absorvente e faz-nos querer (e muito) saltar já para o terceiro
volume. Só não o faço agora por causa da minha mania das leituras cronológicas J e sobretudo porque preciso de
respirar um pouco, de aligeirar a coisa e de afastar-me momentaneamente de um
ambiente assim hostil.
É óbvio que recomendo sem reservas este
volume e toda a tetralogia. Entrei da forma mais literariamente perfeita em
2016 J
NOTA – 10/10
Sinopse
Este
romance continua a história de Lila e Elena, tendo como pano de fundo a cidade
de Nápoles e a Itália do século XX.
Lila, filha de um
sapateiro, escolhe o caminho de ascensão social no próprio bairro e, no final
de A Amiga Genial, vemo-la casada com um comerciante. Elena, pelo contrário,
dedica-se aos estudos.
Ambas têm agora 17 anos e sentem-se num beco
sem saída. Ao assumir o nome do marido, Lila tem a sensação de ter perdido a
identidade. Elena, estudante modelo, descobre que não se sente bem nem no
bairro nem fora dele.
No início, vemos Elena a abrir um caderno de
notas onde Lila fala sobre a vida com o seu marido e as complicadas relações
com a Mafia e os grupos neofascistas, que invadem os bairros com as suas
proclamações.
Lila e Elena hesitam entre a tendência para a
conformidade e a obstinação em tomar nas suas mãos o seu destino, numa relação
conflitual, inseparável mistura de dependência e vontade de autoafirmação, em
que o amor é um sentimento «molesto» que se alimenta do desequilíbrio até nos
momentos mais felizes.
Olá Ana,
ResponderEliminarJá tinha visto este livro várias vezes e chamou-me muito atenção. Mas não cheguei a comprar, pois não dá para tudo :)
Mas depois da tua opinião ainda mais interessada fiquei.
Por isso adoro cada vez mais visitar este teu espaço. Só apresentas livros bons :)
Beijinhos e boas leituras
Obrigada, querida Isaura! Adoro as tuas visitas :)
EliminarQuanto a este livro e atrevo-me a dizer aos restantes da tetralogia (só li o primeiro e este, o segundo), tens mesmo que lê-los. São fantásticos e abanam-nos completamente!
Beijinhos e boas leituras!
Just finished this second volume. Loved it! Need to take a break to breathe it in before starting the next one. :)
ResponderEliminarI know what you mean - it's a lot to take in.
EliminarThis second volume was my favourite, but the following ones are very good as well. I hope you'll enjoy them as much as I did.
See you soon!
Cara Ana, comecei agora o segundo volume. Partilho da sua opinião que me parece mais intenso e aliciante do que o primeiro. Parabéns pelo trabalho que desenvolve neste blog.
ResponderEliminarOlá, Sofia e seja bem-vinda!
EliminarSim, o seu volume é fabuloso e posso dizer que foi o meu preferido dos quatro!
Espero que saboreie com tanto prazer a sua leitura como eu o fiz!
Obrigada pelo carinho e visite este cantinho quantas vezes quiser. Eu agradeço.
Beijinhos!
Já li todos e adorei, o ultimo volume foi um soco no estômago do qual nunca recuperei!!! Agora tenho de ver a série!!!
ResponderEliminarOlá e bem-vinda!
EliminarTambém adorei esta tetralogia e mal posso esperar por ver a série!!!
Beijinhos e volta sempre!