Opinião
Última leitura de 2015. Despeço-me
deste ano com uma obra que, em 190 páginas, me confirma quem é Ian McEwan – um
criador de histórias onde reinam as frases curtas, limpas de floreados e
enfeites, que, condensadas em capítulos algo extensos, nos põem a nu o mais
variado leque de emoções que compõem um ser humano.
Embarquei na leitura de A balada de Adam Henry fazendo a
inevitável comparação da mesma com Expiação,
a primeira obra que li do autor e da qual não mais me esqueci. Pus logo à
partida a fasquia demasiado alto e consciente ou inconscientemente sei que essa
comparação sempre me acompanhou na leitura que terminei hoje e que fez com que
esta não fosse imaculada…
Londres. Junho com um tempo
tipicamente inglês – humidade, inconstância, chuva, quase sempre chuva da
primeira à última página. O cinzento, a falta de luz e do reconfortante ameno
simbolicamente alertam-nos para o que se desenrolará nas quase 200 páginas da
obra – a história de uma juíza do Supremo Tribunal que todos os dias se
encarrega de solucionar, o mais imparcialmente possível, todos os casos sob a
alçada do Tribunal da Família que lhe caem nas mãos, mas que se sente incapaz
de lidar com a crise que afeta o seu casamento de trinta anos. Seguimos as
pisadas de Fiona. Somos mais um dos transeuntes no trajeto que a leva ao local
de trabalho e de regresso a casa. Somos mais um dos que assistem às sessões de
tribunal que preside. Somos o omnipresente e omnisciente espectador que, como
uma sombra, a persegue em todos os momentos das suas vinte e quatro horas
diárias. Somos, como qualquer leitor privilegiado, aquele e aquela a quem ela
nada esconde ou aquele e aquela a quem tenta esconder aquilo que tenta esconder
a si mesma.
Fiona, como qualquer um de nós, possui
diversas máscaras que coloca conforme o contexto. Sentada na cadeira do poder,
é uma mulher pragmática, autoritária, não se permite a si mesma nem aos outros
contemplações e tem consciência do quanto o seu papel de juíza a aproxima de um
plano divino. Em casa, frente a frente a um marido que ainda ama, mas que exige
dela experiências que o satisfaçam a nível emocional e sexual, é apenas uma
mulher de sessenta anos, insatisfeita com o seu aspeto físico, dececionada, magoada,
retraída e que deixa que as suas decisões sejam toldadas pela precipitação e
por emoções contraditórias. Sozinha, na companhia dos seus pensamentos, medos e
angústias, sente-se incompleta, dolorosamente arrependida por ter adiado uma
maternidade que assim nunca se cumpriu e que dói ainda mais quando se vê
envolvida num caso que exige dela uma decisão que mudará irremediavelmente a
existência de um jovem de quase dezoito que, por questões religiosas, se recusa
a receber um tratamento médico que lhe poderá salvar a vida.
A
balada de Adam Henry
é assim um livro que nos aproxima da contraditoriedade da vida de todos nós,
que nos apresenta mais um exemplo do quanto o que decidimos (consciente ou
inconscientemente) determina a nossa existência, o quanto os nossos atos têm
consequências naqueles que nos são próximos ou que cruzaram superficialmente
connosco. É igualmente um livro que nos permite entrar nos meandros da justiça,
de uma religião minoritária e mais fechada e que sobretudo nos permite
contactar com o estilo de um autor (na minha opinião) marcadamente masculino,
mas que demonstra com mais uma protagonista feminina conhecer como poucos a
alma de uma mulher.
Termino 2015 com esta leitura. Uma
leitura bastante interessante, mas que não me ficará gravada na memória como
ficou Expiação. Cativaram-me
as partes centradas nas relações humanas, na fragilidade versus poder divino de
Fiona, no quanto as convicções que recebemos dos pais desde que nascemos podem
influir nas nossas ações, crenças e pensamentos e no quanto uma faúlha de
atenção, carinho e as palavras certas podem levar um adolescente a deitar por
terra tudo o que sustentava a sua vida até aí e a desesperadamente procurar
outra plataforma, outra base que não lhe tire o chão. Por outro lado, não me
cativaram os fragmentos associados a uma rotina judicial e que me pareceram
algo maçudos. Sei que são necessários para a construção da protagonista e do
contexto da narrativa, mas confesso que me foram custosos.
Resta-me desejar um ótimo 2016 a todos
que por aqui passem e que o novo ano se recheie de muitas e suculentas
leituras!
NOTA – 08/10
Sinopse
Trata-se
de um romance que tem como personagem central Fiona Maye, uma juíza proeminente
do Supremo Tribunal, que julga casos do Tribunal de Família. É bem sucedida
profissionalmente, mas nem tudo lhe corre pelo melhor. Ao remorso latente por
nunca ter tido filhos, junta-se a crise num casamento que dura há trinta anos.
Ao mesmo tempo que tem de enfrentar um casamento onde a relação com o marido
está a desmoronar-se, é chamada a julgar um caso urgente. Por razões
religiosas, um bonito rapaz de dezassete anos, Adam, recusa o tratamento
médico. Sendo Testemunhas de Jeová, tanto ele como os familiares, rejeitam a
transfusão de sangue que poderia salvar-lhe a vida. Deverá o tribunal secular
sobrepor-se à fé sinceramente vivida? Enquanto procura tomar uma decisão, Fiona
visita Adam no hospital. Esse encontro tem consequências para ambos, agitando
sentimentos que estavam enterrados nela e despertando novas emoções nele.
Trata-se
de um romance de elevada sensibilidade, em que McEwan prova, mais uma vez, a
sua mestria em escrever sobre a natureza humana e sobre temas de grande atualidade
que motivam a reflexão.
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