Quinta-feira, 10 de setembro de 2015
Opinião
Descobrir um novo autor é sempre
promissor. Os dias ou horas que passo na sua companhia têm sempre algo de
detectivesco, pois ao prazer da leitura juntam-se a curiosidade, alguma
desconfiança, a máxima atenção e uma vontade secreta (ou talvez não) de que
esse autor novo nos conquiste irremediavelmente! J
David Foenkinos conseguiu-o com a sua
obra As recordações. Conseguiu
ir derrubando a desconfiança e alguma estranheza iniciais, foi-me conquistando
à medida que a leitura avançava e no final, ainda com a recordação das últimas passagens
da obra, ganhou uma leitora que quer a todo custo ler as suas outras obras!
Tropecei no nome deste autor francês
numa das inúmeras deambulações que faço pelo mundo virtual à cata de novidades.
Encontrei num site estrangeiro
referências à sua última obra – Charlotte
– e fiquei entusiasmadíssima com a sua sinopse. É óbvio que o passo seguinte
foi saber se havia alguma obra sua traduzida. Sim, havia duas editadas pela
Presença. Assim, aproveitando uma das frequentes promoções que felizmente
editoras e livrarias nos vão oferecendo, comprei As recordações, publicada em 2014 e cuja sinopse me cativou por
mencionar que a história se desenrolaria à volta das recordações que temos de
nós mesmos, das outras pessoas e sobretudo do quanto os avós marcam as nossas
vidas.
Narrada na primeira pessoa, por um
jovem algo desencantado com a vida e consigo mesmo, a história de As recordações está dividida em
pequenos capítulos que alternam episódios da vida do protagonista e de gente
próxima a ele com outros (escritos em itálico) de personagens verídicas e de
outras que fugazmente atravessam a rotina do nosso narrador.
“Chovia
tanto no dia em que o meu avô morreu que eu mal conseguia ver” (pág. 7)
É assim que tudo se inicia – a desilusão
e a tristeza que o narrador sente por não ter dito ao avô o quanto o amava
antes de ele partir são o ponto de partida para que se desfiem recordações,
divagações, pensamentos e impulsionem de alguma forma o nosso narrador a passar
mais tempo com a avó, a não cometer com ela a mesma falta que cometeu com o seu
marido e a tentar aproveitar toda uma amálgama de sentimentos e situações para a
concretização do objetivo que tem sido indefinidamente protelado e que daria um
sentido à vida do protagonista (de quem não sabemos nunca o nome) – a criação
de um livro, de um romance.
Toda a obra está maravilhosamente bem
escrita, com uma linguagem poética, serena, intimista e que nos fala às
emoções. Confesso que a princípio não me conquistou totalmente, talvez pela
referida atitude detectivesca que adoto quando estou a conhecer um autor pela
primeira vez. Contudo, conforme ia passando de página para página, tive que pôr
de lado qualquer resistência que ainda sobrasse porque tudo na obra me
arrebatou – as personagens tão próximas da realidade, as situações rotineiras e
as emoções contraditórias que nos assolam mesmo quando estamos perante alguém
que nos é tão querido, que sabemos que não estará connosco muito mais tempo e,
ainda assim, agradecemos a chegada de uma mensagem de texto que interrompe os
últimos e lentos minutos da vida desse alguém tão importante para nós:
“Às
tantas, o meu telemóvel anunciou uma nova mensagem. Fiquei em suspenso,
mergulhado numa falsa hesitação, porque, lá no fundo, senti-me feliz com aquela
mensagem, feliz por ter sido arrancado ao torpor, nem que fosse por um segundo,
nem que fosse pela mais comezinha das razões. Já não sei ao certo qual era o
conteúdo da mensagem, mas lembro-me que respondi de imediato. Assim, e para
sempre, esses escassos segundos sem significado parasitam a memória deste
momento crucial. Sinto uma culpa terrível por essas dez palavras enviadas a uma
pessoa que não significa nada para mim. Nessa altura, acompanhava o meu avô no
seu caminho para a morte e, por todos os meios, procurava forma de não estar
presente.” (pág. 8)
Esta é apenas uma das muitas e muitas
passagens com que identifiquei em absoluto e que gastaram o bico do lápis que
me acompanha para os sublinhados de tudo o que me diz algo em cada leitura. E é
por causa desta e das outras passagens que me sinto obrigada a acrescentar A delicadeza (a segunda obra do
autor, anterior à que li, publicada pela Presença) à minha wishlist e pedir encarecidamente à referida editora ou a outra
qualquer que publiquem Charlotte,
o mais recente romance de David Foenkinos, que, por coincidência ou não, é
sobre Charlotte Salomon, uma pintora judia e uma das muitas personagens verídicas
que ocupam os episódios em itálico (neste caso o episódio retratado no capítulo
44) que se entrelaçam em As
recordações com episódios ficcionais.
As
recordações é
assim uma leitura recomendadíssima e obrigatória para quem se quer perder
dentro de uma narrativa deliciosamente poética e tão próxima do que preenche as
nossas vidas! Vale mesma a pena! Não se arrependerão!
NOTA – 09/10
Sinopse
«”No
seu lugar, eu refugiar-me-ia numa recordação.” Sim, foi isso que ele disse e,
depois, acrescentou: “Iria para um lugar onde tivesse sido feliz. Na sua idade,
era certamente o que eu faria.”»
Quando
a avó do narrador foge do lar onde se encontra a viver, este sabe que não pode
ficar de braços cruzados à espera de ver as autoridades agirem. Mas que sabemos
nós das recordações das outras pessoas?...
Em As Recordações,
David Foenkinos oferece-nos uma reflexão plena de sensibilidade sobre o tempo,
a memória, a velhice, os conflitos de gerações, o amor conjugal, o desejo de
criar e a beleza do acaso.
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