Quarta-feira, 23 de setembro de 2015
Opinião
Vinte e quatro horas depois de ter
encerrado a leitura de Nada,
ainda me sinto atordoada… Tão atordoada, mas tão atordoada que, pela primeira
vez em muitos anos, não sei que livro ler a seguir… Só sei que o meu inconsciente
me grita que tenho que escolher um livro que contenha uma historiazinha banal,
levezinha, lamechitas, previsível e que não me faça pensar muito… Um livro de
Nicholas Sparks, por exemplo!... E é neste momento que quem me conhece está de
certeza a fazer caretas de espanto e a exclamar algo de género – “Caramba, ficaste mesmo abalada com essa
última leitura para quereres algo previsível e lamechas como as obras de
Nicholas Sparks!”
Não tenho intenção de, com isto,
desrespeitar este autor de bestsellers
e seus admiradores. Pelo contrário, sempre afirmei que o importante é ler, ler
muito, seja o que for, literário ou não, qualquer género e consequentemente
qualquer autor. Mas a bagagem literária que carrego já não me permite apreciar
tudo com o mesmo prazer, com a mesma sede. Como tal, os meus gostos atuais ditam
que compre e leia obras mais complexas, mais densas, que não ocupam
frequentemente os tops de vendas. Contudo, sobretudo depois de ter lido O luto de Elias Gro
e este Nada, é realmente
urgente que faça uma pausa em leituras densas, complexas, carregadas de
tristeza e ambientes estranhos, doridos e quase psicopatas… Para bem da minha
sanidade mental J
Adquiri Nada sem saber muito sobre a sua autora e sobre a própria
obra. Tinha lido e ouvido muitos comentários favoráveis, sabia que havia ganho
um importante prémio e que retratava a cidade de Barcelona do pós-guerra civil.
A sinopse adiantava pouco mais, dando algumas informações sobre a protagonista
e sobre a razão pela qual vem viver para a capital catalã. Por isso, tenho
consciência de que entrei às escuras nas suas páginas e que só agora percebo
por que motivo Vargas Llosa o caracteriza como um “belo e terrível romance”… Porque definitivamente o é. A sua
história é soberba, mas demoniacamente soberba. As personagens estão
maravilhosamente bem construídas, mas revelam comportamentos e personalidades
doentias, perversas, violentas e que, como é óbvio, não deixam nenhum leitor
indiferente, longe disso, intrometem-se no nosso pensamento e mexem connosco de
uma maneira algo incomodativa. Para além disso, a sua protagonista, Andrea, uma
jovem universitária que desejava ardentemente viver em Barcelona, revela, desde
que “aterra” no inferno que é a casa dos seus familiares, atitudes de anti
heroína, pois é contraditória no que faz, mostra-se apática perante o ambiente
atroz que a rodeia e demonstra que “(…) de
nada vale correr, se vamos sempre pelo mesmo caminho, fechado, da nossa
personalidade. Alguns seres nascem para viver, outros para trabalhar, outros
para ver a vida. Eu tinha um pequeno e mau papel de espectadora. Para mim, era
impossível sair dele. Impossível libertar-se.” (pág. 190)
Sendo assim, Nada proporcionou-me uma leitura antitética, que atrai e repugna.
Tal como me atraiu e repugnou a leitura de O
meu irmão, de Afonso Cabral. Entre estas duas obras, há muitas
semelhanças. Por um lado, estão extremamente bem escritas, com personagens
densas, que não nos conquistam (excetuando a avó de Andrea, a quem me apeteceu
apertar num abracinho ternurento) e que se movimentam em ambientes saturados de
sordidez, desprezo, violência e ausência de afetos. Por outro, Carmen Laforet
tinha 23 anos quando escreveu Nada
e Afonso Cabral pouco mais velho é – ou seja, quase duas crianças, recém-saídas
da adolescência e que foram capazes de criar duas obras com laivos de
maturidade e genialidade que não estão ao alcance de muitos escritores bem mais
entrados na idade e na experiência de vida.
Resumindo, Nada não deixará ninguém indiferente. Quem se atrever a
lê-la, entrará numa viagem sem regresso, que bulirá com todas as nossas fibras
e nos deixará atarantados… com uma vontade louca de fugir, esquecer tal
narrativa tortuosa… Mas… é nessa tortuosidade que está patente a mestria de
Carmen Laforet.
Agora que venha uma obra lamechitas
e bem previsível… Eu bem preciso de uma leitura assim J
NOTA – 08/10
Sinopse
«Nada» é a história de Andrea. Chegada
a Barcelona para seguir os seus sonhos, Andrea fica hospedada na rua Aribau, em
casa de familiares. Aqui, descobrirá um mundo muito diferente do seu, feito de
personagens ambíguas e conturbadas, que vivem numa humilhante pobreza os cruéis
anos da ocupação franquista da cidade. Será neste ambiente psicótico que, ao
longo de um ano, Andrea crescerá, ao mesmo tempo que descobre a cidade, ganha
novas amizades, e traça o caminho para a vida adulta.
«Nada» é o romance que revolucionou a literatura e agitou a sociedade espanhola.
«Nada» é o romance que revolucionou a literatura e agitou a sociedade espanhola.
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