Sexta-feira, dia 16 de outubro de 2015
Opinião
“Podes
não ter interesse na Guerra,
mas
a Guerra tem interesse em ti.”
Lev
Trotski
Na página imediatamente antes do início
da narrativa de O violoncelo de
Sarajevo encontrei-me com esta citação e logo ali pressenti que a
Guerra, mais uma vez, me iria envolver nas suas teias e não me iria deixar
escapar…
E não me resta outro remédio senão
dizer que assim foi. Eu tenho um interesse quase doentio pela Guerra, uma
antitética e perfeita mistura de atração e repulsa e, tal como já o referi em
outras opiniões de livros “bélicos”, não consigo (nem quero) opor-lhe qualquer
resistência. Permito que a Guerra me procure, me encontre, me faça sua
prisioneira, porque desse “encarceramento voluntário” saio alguém mais
completo, mais frágil, mais emotivo, mas sobretudo mais entendedor da
complexidade e tortuosidade que nos compõem como seres humanos.
É claro que quando decidi comprar esta
obra (de um autor até agora desconhecido) o fiz porque a sua temática, a sua
sinopse e as opiniões sobre a mesma me seduziram. Não poderia ser de outra
forma. Contudo, tenho que bendizer de maneira muito especial a hora em que o
fiz, porque O violoncelo de Sarajevo
é uma obra sublime, de mestre, que seguramente figurará na lista das melhores
leituras deste ano.
É uma obra sublime porque nos agarra
com a simplicidade da sua narrativa, conduzida magistralmente por um autor que,
à semelhança de um maestro, nos presenteia um relato feito a quatro mãos e que
nos magoa, se entranha em nós pelo cenário onde se desenrola, por uma ação que
privilegia o íntimo, o que se passa no interior de cada personagem e, não menos
importante, pelo não cair no melodramático tão facilmente associado a histórias
de guerra, pela contenção que se respira ao longo da toda a obra.
É igualmente uma obra sublime porque
nos chega através de capítulos dedicados a três personagens anónimas e que
demonstram, através da narração do seu dia-a-dia, o quanto o povo, a gente que
habita uma cidade e não possui meios para fugir, sofre com os horrores de uma
guerra ditada por governantes, generais ou afins e que sempre escapam à
miséria, à fome, à perda dos direitos mais essenciais à vida de um ser humano.
É ainda uma obra sublime porque
despertou em mim aquela vontade de saber mais, de compreender o que esteve por
detrás de mais uma guerra despoletada por ódios ancestrais, por ambições
inexplicáveis e por vontades de independências que têm que ser concretizadas a
todo o custo. Uma das provas do quanto o autor foi genial está nas pistas que
vai deixando cair ao longo da obra e que me “obrigaram” a ler frequentemente ao
lado de um computador ligado para, num clicar rápido, poder conseguir (ou
tentar) entender o Cerco de Sarajevo e a guerra dos Balcãs. Pouco ou nada na
obra nos diz claramente quem são “os
homens nas colinas”, o porquê de Sarajevo ter sido sitiada e bombardeada
durante quase quatro anos e de o conflito nos Balcãs ter tido lugar sobretudo
aí, na capital do estado da Bósnia-Herzegovina. São poucas as passagens da obra
que a isso fazem referência, mas as que existem são maravilhosamente simples e
certeiras e levaram-me a querer saber mais:
“A
Sarajevo pela qual lutava era uma cidade onde uma pessoa não era obrigada a
odiar outra por causa daquilo que essa pessoa era. Não importava aquilo que se
era, quem tinham sido os antepassados ou o que seriam os filhos.” (pág.
107)
“A
Sarajevo real é aquela onde as pessoas eram felizes, se tratavam bem umas às
outras, viviam sem conflitos? Ou é a Sarajevo que vê hoje, onde as pessoas se
tentam matar umas às outras, onde balas e bombas voam das colinas e os
edifícios se desmoronam?” (pág. 164)
O violoncelo de Sarajevo é, por fim,
uma obra sublime porque partiu de algo real:
“Às
quatro da tarde do dia 27 de maio de 1992, durante o Cerco de Sarajevo,
diversas granadas de morteiro atingiram um grupo de pessoas que estava na fila
para comprar pão, atrás do mercado da Rua Vase Miskina. Vinte e duas pessoas
morreram e, pelo menos, setenta ficaram feridas. Durante os vinte e dois dias
seguintes, Vedran Smailovic, um famoso violoncelista de Sarajevo, tocou no
mesmo local o Adágio em Sol menor, de Albinoni, em honra dos mortos.” (pág.
171)
Partiu de algo real, de um gesto tão
pungente de alguém que assim quis demonstrar que a vida humana vale, tem valor
para a própria pessoa e para os outros, sejam próximos a essa pessoa ou que não
a conheçam. Partiu de algo real, entrelaçou o verídico com o ficcional e narrou
a rotina de uma cidade sitiada, constantemente aterrorizada com as mortes
diárias de gente que, em gestos tão banais como os de atravessar uma rua,
poderia perder a vida porque aos “homens nas colinas” assim lhes apetecia –
apontavam a mira da espingarda, faziam pontaria e ceifavam, indiscriminadamente,
a vida de homens, mulheres, crianças, animais, enfim de todos aqueles inocentes
que, por azar do destino e por falta de outra alternativa, tinham que
(sobre)viver numa cidade devastada por mais uma guerra inexplicável…
Termino dizendo que esta obra é
sublime porque fez-me querer (e querer muito) visitar Sarajevo, percorrer as
suas ruas e prestar-lhe a homenagem que penso que merece.
A esta leitura só posso assim dar-lhe
nota máxima e desejar que o maior número possível de leitores a leia! Comprem a
obra, peçam-na emprestada, requisitem-na numa biblioteca, mas, por favor,
leiam-na!!!
Partilho ainda o maravilhoso,
fantástico e dorido Adágio em Sol menor, de Albinoni, que tão importante foi
para a criação desta obra e sobretudo para aqueles que assistiram a Vedran
Smailovic a tocá-la nos 22 dias que se seguiram a (mais) um dia sangrento do
Cerco de Sarajevo.
NOTA – 10/10 (nota merecidíssima)
Sinopse
O
Violoncelo de Sarajevo é um relato ficcionado do cerco feito a Sarajevo entre
Abril de 1992 e Fevereiro de 1996. Apoiado em factos reais, dá a conhecer o
intenso drama vivido pela população de Sarajevo, onde foram mortas mais de dez
mil pessoas e feridas mais de cinquenta e seis milhares. Por detrás da sua
janela, um violoncelista não podia prever o que iria acontecer: 22 pessoas
mortas à sua frente num tiroteio enquanto esperavam na fila para a ração de
pão. Em sua homenagem o violoncelista toca sentado no meio da rua o Adágio de
Albinoni durante 22 dias seguidos e sempre à mesma hora. Surge no entanto a
notícia de que há um plano para assassinar o músico em plena atuação, quando
faltam apenas dois dias para que complete as 22 sessões.
Depois de me deliciar com a tua opinião e com o vídeo do Adágio de Albinoni, só me resta ir à procura do livro e esperar que também fique rendido à escrita deste autor que ainda não conheço.
ResponderEliminarSeguramente que não te arrependerás!!! É um livro imperdível!
EliminarObrigada pelo teu comentário muito simpático!
Continuação de boas leituras!
I've just finished reading it and I loved it. Thank you for recommending it. I have already been to Sarajevo but if I could go there now, it would certainly be very different.
ResponderEliminarWelcome, Lurdes! I've loved your words I completely agree with you - this is an amazing book and it will definitely change the way we see and feel Sarajevo if we go there someday.
EliminarSending you kisses and hoping you'll keep visiting us :)
Ana
Acabo de lê-lo. Estou absorto ainda...
ResponderEliminarObrigado por compartilhar sua experiência. Forte abraço!
É simplesmente magistral, não é? Ainda hoje me recordo do quanto fiquei abalada com esta leitura!
EliminarEu é que agradeço a visita e o comentário!
Retribuo o forte abraço - volte sempre!