O violoncelo de Sarajevo, de Steven Galloway

Sexta-feira, dia 16 de outubro de 2015





Opinião
Podes não ter interesse na Guerra,
mas a Guerra tem interesse em ti.”
                                                        Lev Trotski

Na página imediatamente antes do início da narrativa de O violoncelo de Sarajevo encontrei-me com esta citação e logo ali pressenti que a Guerra, mais uma vez, me iria envolver nas suas teias e não me iria deixar escapar…
E não me resta outro remédio senão dizer que assim foi. Eu tenho um interesse quase doentio pela Guerra, uma antitética e perfeita mistura de atração e repulsa e, tal como já o referi em outras opiniões de livros “bélicos”, não consigo (nem quero) opor-lhe qualquer resistência. Permito que a Guerra me procure, me encontre, me faça sua prisioneira, porque desse “encarceramento voluntário” saio alguém mais completo, mais frágil, mais emotivo, mas sobretudo mais entendedor da complexidade e tortuosidade que nos compõem como seres humanos.
É claro que quando decidi comprar esta obra (de um autor até agora desconhecido) o fiz porque a sua temática, a sua sinopse e as opiniões sobre a mesma me seduziram. Não poderia ser de outra forma. Contudo, tenho que bendizer de maneira muito especial a hora em que o fiz, porque O violoncelo de Sarajevo é uma obra sublime, de mestre, que seguramente figurará na lista das melhores leituras deste ano.
É uma obra sublime porque nos agarra com a simplicidade da sua narrativa, conduzida magistralmente por um autor que, à semelhança de um maestro, nos presenteia um relato feito a quatro mãos e que nos magoa, se entranha em nós pelo cenário onde se desenrola, por uma ação que privilegia o íntimo, o que se passa no interior de cada personagem e, não menos importante, pelo não cair no melodramático tão facilmente associado a histórias de guerra, pela contenção que se respira ao longo da toda a obra.
É igualmente uma obra sublime porque nos chega através de capítulos dedicados a três personagens anónimas e que demonstram, através da narração do seu dia-a-dia, o quanto o povo, a gente que habita uma cidade e não possui meios para fugir, sofre com os horrores de uma guerra ditada por governantes, generais ou afins e que sempre escapam à miséria, à fome, à perda dos direitos mais essenciais à vida de um ser humano.
É ainda uma obra sublime porque despertou em mim aquela vontade de saber mais, de compreender o que esteve por detrás de mais uma guerra despoletada por ódios ancestrais, por ambições inexplicáveis e por vontades de independências que têm que ser concretizadas a todo o custo. Uma das provas do quanto o autor foi genial está nas pistas que vai deixando cair ao longo da obra e que me “obrigaram” a ler frequentemente ao lado de um computador ligado para, num clicar rápido, poder conseguir (ou tentar) entender o Cerco de Sarajevo e a guerra dos Balcãs. Pouco ou nada na obra nos diz claramente quem são “os homens nas colinas”, o porquê de Sarajevo ter sido sitiada e bombardeada durante quase quatro anos e de o conflito nos Balcãs ter tido lugar sobretudo aí, na capital do estado da Bósnia-Herzegovina. São poucas as passagens da obra que a isso fazem referência, mas as que existem são maravilhosamente simples e certeiras e levaram-me a querer saber mais:
A Sarajevo pela qual lutava era uma cidade onde uma pessoa não era obrigada a odiar outra por causa daquilo que essa pessoa era. Não importava aquilo que se era, quem tinham sido os antepassados ou o que seriam os filhos.” (pág. 107)
A Sarajevo real é aquela onde as pessoas eram felizes, se tratavam bem umas às outras, viviam sem conflitos? Ou é a Sarajevo que vê hoje, onde as pessoas se tentam matar umas às outras, onde balas e bombas voam das colinas e os edifícios se desmoronam?” (pág. 164)
O violoncelo de Sarajevo é, por fim, uma obra sublime porque partiu de algo real:
Às quatro da tarde do dia 27 de maio de 1992, durante o Cerco de Sarajevo, diversas granadas de morteiro atingiram um grupo de pessoas que estava na fila para comprar pão, atrás do mercado da Rua Vase Miskina. Vinte e duas pessoas morreram e, pelo menos, setenta ficaram feridas. Durante os vinte e dois dias seguintes, Vedran Smailovic, um famoso violoncelista de Sarajevo, tocou no mesmo local o Adágio em Sol menor, de Albinoni, em honra dos mortos.” (pág. 171)
Partiu de algo real, de um gesto tão pungente de alguém que assim quis demonstrar que a vida humana vale, tem valor para a própria pessoa e para os outros, sejam próximos a essa pessoa ou que não a conheçam. Partiu de algo real, entrelaçou o verídico com o ficcional e narrou a rotina de uma cidade sitiada, constantemente aterrorizada com as mortes diárias de gente que, em gestos tão banais como os de atravessar uma rua, poderia perder a vida porque aos “homens nas colinas” assim lhes apetecia – apontavam a mira da espingarda, faziam pontaria e ceifavam, indiscriminadamente, a vida de homens, mulheres, crianças, animais, enfim de todos aqueles inocentes que, por azar do destino e por falta de outra alternativa, tinham que (sobre)viver numa cidade devastada por mais uma guerra inexplicável…
Termino dizendo que esta obra é sublime porque fez-me querer (e querer muito) visitar Sarajevo, percorrer as suas ruas e prestar-lhe a homenagem que penso que merece.
A esta leitura só posso assim dar-lhe nota máxima e desejar que o maior número possível de leitores a leia! Comprem a obra, peçam-na emprestada, requisitem-na numa biblioteca, mas, por favor, leiam-na!!!
Partilho ainda o maravilhoso, fantástico e dorido Adágio em Sol menor, de Albinoni, que tão importante foi para a criação desta obra e sobretudo para aqueles que assistiram a Vedran Smailovic a tocá-la nos 22 dias que se seguiram a (mais) um dia sangrento do Cerco de Sarajevo.


NOTA – 10/10 (nota merecidíssima)

Sinopse

O Violoncelo de Sarajevo é um relato ficcionado do cerco feito a Sarajevo entre Abril de 1992 e Fevereiro de 1996. Apoiado em factos reais, dá a conhecer o intenso drama vivido pela população de Sarajevo, onde foram mortas mais de dez mil pessoas e feridas mais de cinquenta e seis milhares. Por detrás da sua janela, um violoncelista não podia prever o que iria acontecer: 22 pessoas mortas à sua frente num tiroteio enquanto esperavam na fila para a ração de pão. Em sua homenagem o violoncelista toca sentado no meio da rua o Adágio de Albinoni durante 22 dias seguidos e sempre à mesma hora. Surge no entanto a notícia de que há um plano para assassinar o músico em plena atuação, quando faltam apenas dois dias para que complete as 22 sessões.

6 comentários:

  1. Depois de me deliciar com a tua opinião e com o vídeo do Adágio de Albinoni, só me resta ir à procura do livro e esperar que também fique rendido à escrita deste autor que ainda não conheço.

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    1. Seguramente que não te arrependerás!!! É um livro imperdível!
      Obrigada pelo teu comentário muito simpático!
      Continuação de boas leituras!

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  2. I've just finished reading it and I loved it. Thank you for recommending it. I have already been to Sarajevo but if I could go there now, it would certainly be very different.

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    1. Welcome, Lurdes! I've loved your words I completely agree with you - this is an amazing book and it will definitely change the way we see and feel Sarajevo if we go there someday.
      Sending you kisses and hoping you'll keep visiting us :)
      Ana

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  3. Acabo de lê-lo. Estou absorto ainda...
    Obrigado por compartilhar sua experiência. Forte abraço!

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    1. É simplesmente magistral, não é? Ainda hoje me recordo do quanto fiquei abalada com esta leitura!
      Eu é que agradeço a visita e o comentário!
      Retribuo o forte abraço - volte sempre!

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