Regressar a casa, de Rose Tremain

Domingo, 25 de outubro de 2015




Opinião
Os emigrantes de hoje em dia não são os mesmos de há vinte, trinta ou mais anos atrás. Atualmente quem emigra (o nosso país é um claro exemplo disso mesmo) leva consigo “um diploma nas mãos”, habilitações elevadas e muitas das vezes emigra sozinho. Mas, tal como Lev, o protagonista de Regressar a casa, quem deixa o seu país natal deixa-o em busca de uma vida melhor, em busca da merecida estabilidade. E, tal como Lev, leva na bagagem imagens, sabores, cheiros, momentos que ternamente (e eternamente) o amarrarão à terra que deixou, à gente que deixou, à vida que deixou para trás.
Lev é um homem na casa dos quarenta que se vê obrigado a deixar a sua Rússia natal e aventurar-se numa viagem de horas sem fim por essa Europa fora até ao destino que elegeu como aquele que lhe poderá oferecer a oportunidade que tanto necessita – elegeu Inglaterra para aí tentar encontrar trabalho e poder aí amealhar uma quantidade de libras que lhe permita enviar uma maquia mensal aos que deixou na sua aldeia e pôr algumas de lado. É esse o seu objetivo – aproveitar-se de um mercado de trabalho que ainda acolhe gente de outros países, trabalhar longas horas, ganhar o seu e regressar com os bolsos cheios ao seu país, à companhia da sua família, dos seus amigos.
As mais de 400 páginas retratam assim a jornada emigrante de Lev, mas não se ficam por aí. Deixam-nos ser como uma sombra que continuamente segue as pisadas de Lev, labuta lado a lado com ele nos vários empregos que o russo vai tendo, incentiva-o quando o cansaço e o desalento se apoderam dele e principalmente sente e partilha os seus sonhos, os seus projetos, as suas tristezas e as saudades que Lev, como qualquer emigrante desterrado num país distante, sente de uma forma assaz dorida e sofrida.
Lev é pai. É viúvo. É filho. E estas amarras sentimentais dão-lhe o alento que necessita para não desistir. Ganha vigor e segue em frente com mais ânimo e garra quando recebe um desenho ou uma mensagem simples da sua filhinha de cinco anos. Tem uma dolorosa consciência de que o seu regresso a casa não poderá ser adiado nem relegado para um futuro longínquo porque a distância quebra laços, a distância faz com que esqueçamos, com que o espaço e o lugar de quem partiu e de quem ficou pouco a pouco se vão esbatendo e talvez sendo substituídos… Por tudo isto e porque sempre deixou que o sonho comandasse os seus atos, Lev sabe que não pertence a Londres, a Inglaterra, que por muito que este país o tenha acolhido, não é a sua pátria, não é em terras inglesas que estão as suas raízes, a sua âncora. E há então que encurtar a sua passagem por terras de Sua Majestade, pois a milhares de quilómetros estão os seus, a sua filhota Maya que apela para que o seu papá volte para casa e que, sendo tão pequenina, precisa que o pai esteja a seu lado, já que não tem memórias suficientes para lembrá-lo por tempo indefinido.
É óbvio que Regressar a casa é uma obra de e sobre emigrantes. O título, a narrativa, tudo aponta nessa direção. Mas é igualmente um bom livro sobre sonhos, sobre separação, sobre saudades dos que partem e dos que ficam, sobre sofrimento e sobre a vontade que comanda a vida de qualquer pessoa que quer o melhor para si e para os seus. É igualmente uma obra que nos faz estabelecer pontes com as histórias de emigração que habitam em muitíssimas das nossas famílias e que nos faz questionar se teríamos a coragem e a garra de deixar uma vida para trás e começar outra em outro lugar, com outras pessoas, outros costumes, outra língua… Eu provavelmente não teria…
Para terminar, quero agradecer à minha amiga “gastabromas” Vera por me ter emprestado este livro (Gracias, Verinha J) e tenho que partilhar convosco a canção que, na minha opinião, melhor define a dor e saudade de um emigrante e traduz na perfeição o porquê de eu não me ver nesse papel (pelo menos não de uma forma “voluntária”). Aqui fica Para os braços da minha mãe, de Pedro Abrunhosa, com a participação de Camané (a ver se desta vez não choro):


NOTA – 08/10

Sinopse
Lev, um homem ferido pela vida, parte da Europa de Leste para a Grã-Bretanha, à procura de um recomeço para si e para a sua família. Perseguem-no as memórias dolorosas da mulher falecida, da filha de cinco anos e do extravagante amigo Rudi, que sobrevive, sonhando com o Ocidente.
Em Londres, vagueando pelas ruas hostis e pelos pubs tribais daquela estranha cidade, encontra a promessa de amizade, amor, dinheiro e uma nova carreira.
 Mas a voz da filha habita o coração e a mente de Lev, e fá-lo duvidar se conseguirá realmente pertencer a algum lugar.

Tenho medo, Papá. Quando voltas para casa? Quando?

2 comentários:

  1. Olá Ana,
    Adorei a tua opinião. Quero muito ler este livro.
    Já o tinha visto por aí, mas não sabendo que se tratava.
    Vai já para a minha wishlist.
    Beijinhos e boas leituras

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    1. Olá, Isaura! Fico feliz por teres gostado. Vale a pena ler o livro - é uma leitura serena, mas que nos toca. Aproveito para dizer-te que brevemente devo ler "A ilha das garças" de Sue Monk Kidd. Fiquei com "água na boca" desde que li a tua opinião sobre "A invenção das asas". Vasculhei a estante e lá encontrei o livro que referi - é claro que me piscou o olho e não vou resistir por muito mais tempo :)
      Beijinhos e muito boas leituras!

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