Ficha técnica
Título – Gente feliz com lágrimas
Autor – João de Melo
Editora – Publicações
Dom Quixote
Páginas – 486
Datas de leitura – de 17
a 23 de fevereiro de 2016
Opinião
É
humanamente impossível não descerrar a última página desta obra e não continuar
a sentir que se foi abalroado por uma hecatombe de “um sofrido sofrimento e de uma miséria miserável” (pág. 313). O nó
na garganta, o peso no peito, tudo se mantém.
Não
foi uma leitura fácil. Muito menos leve e agradável. Ponderei muitas vezes não
terminá-la. Mas fui avançando, sabendo que seria mais do mesmo – uma narrativa
carregada de violência, de maus-tratos, de incompreensão, de frustração, de
muita falta de afeto, de contínuos desejos de evasão e de um presente e futuro
cinzelados pelo passado. Uma narrativa que nos atropela, nos esmaga, mas que o
faz através de uma escrita poderosamente bela, que suaviza e amarga momentos que,
por exemplo, descrevem o amor que Nuno faz com a sua mulher, Marta, ou relatam
de forma crua e intensa o diálogo que os dois mantêm e que nos anuncia o final
do seu casamento.
A
obra está dividida em seis partes, em seis “Livros” e através deles vamos
conhecendo os elementos de uma família açoriana. Vivem daquilo que o campo e os
animais lhes providenciam e, tal como muitos outros insulares, zarpam das suas
terras em busca de uma vida melhor no continente americano. Apenas Nuno não foi
tocado por esse desejo e viverá a maior parte da sua vida no continente, em
Lisboa.
No
“Livro primeiro”, entramos nas recordações de três irmãos – Luís Miguel, o mais
velho, Maria Amélia, a rapariga mais velha, e Nuno Miguel, o quarto dos irmãos
e aquele que será o protagonista desta história. E essas recordações marcarão o
ritmo do que se seguirá nos restantes “Livros”. E marcarão o seu tom, um tom
tão amargurado, tão doloroso, tão sofrido (mas infelizmente tão familiar
naqueles tempos e quem sabe nos de hoje…), que desejei e tudo fiz para
sacudi-lo e tirá-lo de cima de mim. É um “livro” penosamente longo, demasiado
longo, na minha opinião, pois se o autor o tivesse escrito em menos páginas, o
efeito no leitor seria o mesmo, já que alguém com o poder de escrever com uma
escrita assim perfeita fá-lo-ia facilmente. É um “Livro” que nos recorda um
país debaixo da mão de ferro de um ditador caquético e de uma religião castigadora,
um país de gente que existia para reproduzir, para criar mão-de-obra gratuita e
subtrair-lhes alimento em benefício de um monte de notas passadas a ferro e
escrupulosamente guardado debaixo do colchão. É ainda um “Livro” que nos marca
a ferro quente uma dor doentia perante uns pais que são piores que animais, que
os tratam melhor que aos próprios filhos.
Nos
restantes “Livros” prossegue a saga das referidas personagens, de uma gente que
não consegue ser feliz, mas que raramente verte lágrimas sentidas, que se
acomodou a uma existência miserável, a uma existência que pouco difere da que
deixou na infância açoriana. É certo que o dinheiro agora abunda, mas não
consegue ser sinónimo de felicidade.
Esta
foi a minha primeira experiência no mundo dos livros de João de Melo.
Encantou-me a sua escrita, rendi-me a passagens lindíssimas, mas confesso que
tenho receio de pegar noutra obra sua… O excesso de dor, de sofrimento, de
miséria humana retraem-me…
E
fico-me por aqui…
NOTA
– 08/10
Sinopse
Quando tinha 22 anos, em
1971, João de Melo foi enviado para a guerra que se travava entre Portugal e
Angola, uma das suas colónias. Durante mais de dois anos, o romancista
permaneceu em África como militar adstrito aos serviços militares de saúde.
Dessa experiência e da sua infância nas ilhas dos Açores se alimenta boa parte
da sua obra literária.
"A literatura - afirma João de Melo - é um espelho, um reflexo imaginário dos povos. É mais cómodo, mais certeiro, porventura até mais fácil, conhecermos os povos e os países pelo seu imaginário do que propriamente pela sua paisagem ou pela sua geografia".
"A literatura - afirma João de Melo - é um espelho, um reflexo imaginário dos povos. É mais cómodo, mais certeiro, porventura até mais fácil, conhecermos os povos e os países pelo seu imaginário do que propriamente pela sua paisagem ou pela sua geografia".
"Gente Feliz com
Lágrimas" é um desses textos que refletem o imaginário de um povo. O
seu tema gira em torno do mundo dos emigrantes dos Açores que, em meados do
século XX, deixam a sua pequena pátria e as suas raízes e partem com toda a
família em busca de novos horizontes na metrópole. A nostalgia da terra que
fica para trás, a fragilidade dos nexos que unem a família e o mundo novo que
enfrentam constituem um triplo desafio do qual é difícil sair airoso.
Olá Ana,
ResponderEliminarFiquei muito curiosa com este livro. Gosto de livros "difíceis"´. São estes que marcam e nos ficam na memória. Não conhecia esta autor.
Espero gostar.
Beijinhos e boas leituras
Olá, Isa!
EliminarFoi na verdade uma leitura difícil, que me deixou exausta e que vai ficar na minha memória, como tu dizes! A história é dolorosa, mas a escrita do autor é de uma beleza e de uma sensibilidade sem igual!
Experimenta!
Beijinhos e boas leituras!