Elmet, de Fiona Mozley



Ficha técnica
TítuloElmet
Autora – Fiona Mozley
Editora – Clube do Autor
Páginas – 286
Datas de leitura – 01 a 04 de junho de 2018

Opinião
A primeira coisa que me apetece dizer é que Elmet é um livro estranho, enigmático. Durante toda a leitura tive que constantemente recordar-me de que a sua trama ocorre num passado muito recente e não há séculos atrás, pois as paisagens, o ambiente, os costumes e o modo de vida dos protagonistas parecem sair de um romance dos séculos XVIII ou XIX. Outro paralelismo que se me ocorreu prendeu-se com o facto de que tudo o que mencionei, ou seja, tudo o que compõe a narrativa parecer igualmente sair de uma fábula ou de um conto de fadas, com uma clara e preponderante dicotomia entre o bem e o mal e uma família de três protagonistas unida contra o mundo.
Us against the world – John, Cathy e Daniel são respetivamente pai e filhos e desde muito cedo que aprenderam a depender apenas uns dos outros. John é um homenzarrão, a quem ninguém consegue vencer numa luta física. Ganha o seu sustento com os punhos e, após a morte da avó materna dos seus filhos, decide construir uma casa num bosque que está num terreno que supostamente teria pertencido à sua mulher. Com a ajuda dos seus filhos adolescentes, pouco a pouco, tronco a tronco, vai erguendo as paredes da cabana que será o lar dos três, um lar que permitirá a John distanciar-se de um mundo que já não lhe diz nada e continuar a estreitar os laços que umbilicalmente o une ao que de mais precioso tem na vida – os seus filhos.
A relação entre John Cathy e Daniel é ao mesmo tempo estranha e mágica. Não falam muito entre si, mas as palavras são supérfluas quando existem um laço (a bound – uma das palavras de que mais gosto da língua inglesa) tão visceral entre os três. Poucas páginas depois de ter iniciado a leitura, compreendi algo que o resto da obra apenas veio confirmar – a rotina dos três estava matematicamente pré-estabelecida, cada um sabia ao mínimo pormenor o que teria de fazer e sobretudo o quanto os outros estariam ali para o que fosse preciso. Apesar do seu aspecto intimidante e sorumbático, John consegue, com raros gestos e ainda mais raras palavras, passar para o leitor o quanto ama os filhos e o quanto está disposto a fazer para protegê-los. Cathy é uma esquiva “gata selvagem”, uma autêntica maria-rapaz, sem noção da beleza que vai tomando conta dela à medida que cresce e com uma adoração ilimitada pelo pai. Já Daniel é mais frágil, mais inseguro, esquivo e simultaneamente carente. Juntos, os três compõem a parte mais bela, mágica, triste e dorida da obra e aquela que ficará comigo por muito tempo.
Poderia adiantar um pouco mais sobre a trama, mas prefiro não fazê-lo. Refiro apenas que a mesma se divide em partes escritas em letras diferentes, narradas em primeira pessoa por Daniel e que uma delas se passa num tempo posterior ao da outra e nos vai dando dicas do que poderá ter acontecido à família. Essa parte associada às prolepses coloca a semente da curiosidade e angústia no leitor ao mesmo tempo que o faz conhecer melhor Daniel e o seu apego àquilo que comanda os seus atos e a sua vida. Também confirma aquilo que se suspeita (pelo menos eu suspeitei) desde o início sobre o filho de John, mas, na minha opinião, é a única passagem desnecessária da obra, aquela que a autora poderia perfeitamente ter deixado na gaveta.
Não posso terminar esta opinião sem fazer referência ao título da obra e ao quanto este vai ao encontro da sensação que mencionei no início, isto é, de que, propositadamente ou não, Fiona Mozley escreveu o seu romance de estreia ambientado no presente/passado muito recente, mas utilizando uma panóplia de elementos que me fizeram recordar romances de séculos passados e inclusive fábulas e contos de fada. Elmet, segundo uma citação que abre a obra, foi o último reino celta independente em Inglaterra e, no século XVII, o território que lhe correspondia continuava a ser considerado as badlands, um refúgio para quem vivia à margem da lei. Ora, uma informação que, mal pegamos no livro, nos pode passar despercebida, encaixa direitinho, milimetricamente com tudo o que lemos ao longo da obra e com o seu teor, o seu tom e, por que não, com o estilo que denota muita maturidade da autora.
Creio que, por tudo o que fui dizendo, é evidente que esta leitura não é simples, nem muito menos corriqueira. É, como já afirmei, estranha, enigmática (a capa não engana e assim o confirma), poderá não ser para todo o género de leitor e poderá deixar-vos, como me deixou a mim, “coxos”, incompletos e incrédulos. Porém, é merecedora da vossa atenção e, sem dúvida, merecedora de estar entre os finalistas do Man Booker Prize. Arrisquem e digam depois se valeu a pena tomar esse risco.

Agradeço muito à editora Clube do Autor o envio desta obra em troca de uma opinião sincera.

NOTA – 09/10

Sinopse
Daniel está a ir para Norte e procura alguém. A vida simples que levava com a irmã Cathy e o pai desapareceu; tornou-se ameaçadora e sinistra. Viviam os três à margem da sociedade, numa casa que o pai construíra no bosque, caçando e procurando comida. O pai dissera-lhes que a pequena casa em Elmet era deles, mas afinal isso não era verdade. E alguns homens daquela terra, gananciosos e vorazes, começaram a vigiá-los de perto.
Esta é uma história sobre família, amor e violência; uma análise dura e implacável à sociedade contemporânea, ao indivíduo e à realidade, aos conceitos de classe e às discrepâncias entre quem somos e quem somos capazes de ser.

2 comentários:

  1. Gostei muito dos paralelismos que fizeste com os contos de fadas, mas, para mim, daqueles mais negros e arrepiantes.São realmente personagens enigmáticas e peculiares, que fogem aos estereótipos: o pai é um bruto mas nunca com os filhos e a rapariga "sai mais ao pai" que o rapaz. Achei este livro fascinante, mais rico em descrições do que qualquer outro de que me lembre. A Fiona Mozley descreve as pessoas ao pormenor dos pelos, a mata ao nível das folhas, a comida ao mínimo detalhe... É uma escrita realmente magnífica que me faz querer ler tudo o que ela venha a publicar.
    Beijinhos, Ana!
    Paula

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Uma vez mais, o teu comentário complementa na perfeição o texto que escrevi! Sim, também quero continuar a ler a autora, muito mesmo! Esperemos que não demore muito a publicar algo novo!
      Beijinhos e bom fim de semana!

      Eliminar