Ficha técnica
Título – Morrer
sozinho em Berlim
Autor – Hans Fallada
Editora – Relógio D’Água
Páginas – 520
Datas de leitura – 23 a 30 de junho de 2018
Opinião
Não me
recordo quem é que me recomendou este livro. Talvez não tenha sido ninguém em
particular, talvez tenha tropeçado nele numa das minhas visitas ao Goodreads. O que sei é que ele figurava
na minha wishlist há algum tempo e
que aproveitei a ida à Feira do Livro de Lisboa do ano passado para trazê-lo
comigo.
Na aba
da capa, debaixo da foto do autor, temos alguma informação sobre Hans Fallada,
ou melhor, Rudolf Ditzen. Nasceu em 1893, publicou o seu primeiro romance em
1920 e caiu em desgraça com a chegada de Hitler ao poder. Escreveu Morrer sozinho em Berlim em 1946
e faleceu um ano depois. Permaneceu esquecido durante décadas e só recentemente
foi reconhecido como um dos mais importantes escritores alemães do século XX.
Entrei na leitura às escuras, apenas com essa informação do autor e um vislumbre da
sinopse. Tão-pouco perguntei nada ao maridinho, que leu a obra pouco tempo
depois de ela ter entrado na estante. Constei que estava dividida em quatro
partes e que, no final, para além de um glossário, apresentava fotos dos
protagonistas, de documentos a eles associados e imagens de Berlim. Por fim,
sabia que a narrativa estava baseada em factos verídicos e se passava durante a
Segunda Grande Guerra em Berlim, obviamente.
Otto e
Anna Quangel são um casal de meia-idade, com uma rotina muito vincada, que se
repete sem exceção dia atrás dia. São uma família remediada e neles nada se
destaca. Cumprem as suas obrigações, sabem com a exatidão de um relógio o que
devem fazer e o que esperar do outro. Porém, a notícia da morte do seu único
filho em combate transtorna e rompe tudo o que estava pré-estabelecido e faz
que Otto tente demonstrar à mulher o quão as suas palavras – “Mas é o que vós conseguistes, tu e o teu
Führer, com a vossa guerra de merda!” (pág. 17) são injustas e descabidas e
que nunca houve nem haverá verdade e justiça no paralelismo “tu e o teu Führer”. Durante dias magica
sozinho um plano que porá em prática todas as semanas, primeiro uma vez e
depois, quando se sentir mais seguro e confiante, duas e três vezes. Escreverá
todos os domingos um postal, com mensagens contra o Führer, contra os nazis e
contra tudo o que sustenta o poder no seu país, e deixá-lo-á num sítio público,
numas escadas de um prédio, por exemplo, para que os berlinenses recolham esse
postal, o leiam, se inteirem do rumo sangrento e vil que está a tomar o seu país
e, de preferência, passem a palavra.
“Não será demasiado pouco isso que queres
fazer, Otto?” (Anna, pág. 138)
Este é
o comentário que Anna dirige ao marido quando este lhe conta o seu plano e é
óbvio que nós, leitores, nos inclinamos a concordar com ela. Contudo, Otto é
inflexível e levará a cabo esta vital missão sempre com a firme convicção de
que o que a esposa considera “demasiado pouco” terá um papel fundamental na
consciencialização dos berlinenses e quiçá de todos os alemães de quanto a
nação de todos eles está nas mãos de lunáticos perigosos e assassinos.
Não
quero alongar-me muito mais no resumo da narrativa para não tirar-vos o prazer
de a descobrir página atrás página. Quero sim, e muito, mostrar-vos como esta
obra é uma leitura imprescindível e foi para mim, sem qualquer dúvida, uma das
leituras de 2018! Sim, porque não posso dar-lhe menos do que a nota máxima!
Não é
uma leitura fácil para quem não gosta de calhamaços, pois são mais de
quinhentas páginas com letra pequena e espaçamento reduzido. As páginas estão
praticamente todas ocupadas pelo texto e não há muitos diálogos. No entanto,
tudo isto fui esquecendo à medida que a leitura progredia, porque me deixei
contagiar de imediato pelo estilo mordaz, cáustico de um autor que, somente um
ano depois do final da guerra, escarafuncha sem dó nem piedade no nazismo, nos
nomes e pessoas que o encabeçavam e nos alemães/berlinenses que se deixaram
dominar pelo medo, pela brutalidade do regime ou que se aproveitaram deste para
subir na vida e espezinhar nos mais fracos. É facilmente compreensível o ódio e
a vergonha que sentia o próprio autor do seu país e dos seus. E é igualmente
perceptível o quanto Hans Fallada quis usar o exemplo dos Quangel para demonstrar
que, mesmo através de ações demasiado insignificantes, se podia lutar contra
aquilo que, no âmago, muitos e muitos alemães sabiam estar errado.
Outro
dos pontos fortes desta narrativa brilhante são as suas personagens. Otto é um
homem esquisito, avaro, que não admite mudanças, nem que sejam milimétricas, à
sua rotina. Devota um amor (do qual só percebemos a força e o tamanho à medida
que o conhecemos melhor) calado e reservado à sua mulher e prefere não
estabelecer laços afetivos com mais ninguém. Contudo, será uma das minhas
personagens preferidas de sempre pela retidão do seu carácter, pela sua
ingenuidade e pela firmeza das suas crenças que nada nem ninguém o impedirão de
partilhar aos sete ventos, se assim for preciso. Há outras personagens igualmente
inesquecíveis, como a própria Anna, o Bom Pastor, Herr Doktor, o velho
magistrado Fromm e até o inspetor Escherich. Todas elas estão construídas e
moldadas de forma brilhante e complementam na perfeição uma narrativa perfeita.
Não
posso deixar de referir outro aspeto importantíssimo para a força e a
magistralidade desta obra. Refiro-me a algumas passagens tremendamente fortes e
que não esquecerei, tais como o processo de detenção de Otto e de Anna (desculpem
o spoiler, mas os documentos que fecham a obra e o próprio índice dão essa
informação), a força de carácter dos dois, a ligação indestrutível que os une
e, por fim, o último diálogo entre Otto Quangel e o inspetor Escherich. São
momentos brutais e aos quais não posso fazer jus com umas simples palavras aqui
deixadas.
Acho
que já disse tudo. Falta-me apenas mencionar que esta foi a primeira leitura
para a maratona literária Bookbingo –
Leituras ao sol 2 e para a categoria – Livro que tenha sido publicado há mais de dez anos. Não poderia ter
começado de forma mais auspiciosa!
Já
sabem – RECOMENDADÍSSIMO! Rogo-vos – Leiam-na, por favor!!!
NOTA –
10/10
Sinopse
Morrer Sozinho em Berlim é o
mais importante livro escrito sobre a resistência alemã ao nazismo.
Berlim, 1940. A cidade vive sob
o jugo de Hitler, cujas tropas avançam vitoriosamente em várias frentes
europeias. Otto e Anna Quangel recebem uma carta que lhes anuncia a morte do
filho na guerra. Perante isto, decidem não permanecer de braços cruzados. Otto
inicia com a ajuda da mulher uma arriscada denúncia do regime. Em resposta, o
inspetor da Gestapo, Escherich, desencadeia uma perseguição impiedosa.
O resultado é um thriller sobre
a resistência no centro do poder nazi.
Olá querida.
ResponderEliminarAcho que já tinha visto esse livro algures. Mas nunca lhe dei grande importância.
Mas agora vou dar-lhe uma oportunidade.
Um beijinho
Sim, dá-lhe, se puderes e se conseguires pôr de lado a tua "alergia" aos calhamaços 😉😉😉 Não é uma leitura fácil, mas caramba, é SIMPLESMENTE MAGISTRAL!
EliminarBeijinhos, querida Isa!
Este também está na minha wishlist, e é daqueles que também não sei como lá foi parar :) parece realmente uma leitura soberba. Ai, tantos livros e tão pouco tempo!
ResponderEliminarÉ soberba, magistral, magnífica, inesquecível e merece que todos a leiam!!
EliminarAi, a nossa vida, a estante cada vez rebenta mais das costuras e nós mordemo-nos todinhas porque não temos 48 horas todos os dias para ler o mais possível ;)
Beijinhos e venham mais livros como este!
Passou da wishlist normal para a wishlist das prioridades :) beijinhos!
Eliminar:) :) Ainda bem!
EliminarNunca tinha visto este livro até ao ano passado, quando o compraste. Pouco tempo depois, uma alemã que sigo no Booktube leu-o e aconselhou-mo logo porque eu gosto tanto de "bleak books", como ela diz. E é mesmo estranho, porque eu faço tudo para não me deprimir e depois só pego em tragédias e dramas. Como acho que já te disse antes, para ler sobre a Segunda Guerra agora, prefiro perspectivas e pessoas de nacionalidades diferentes e este parece-me excelente para percebermos que nem todos os alemães eram monstros, que nem todos se reviam no nazismo.
ResponderEliminarVou trazê-lo da biblioteca um dia, mas acho que vou ter de prolongar prazos até mais não poder ou estar uma semana de férias a ler só isso!
Continua a descobrir pérolas destas, sim?
Paula
Bleak books, definitely my favourite ones too! E este encaixa em todos os teus pré-requisitos, trust me! E quem é essa booktuber alemã? Também quero, isto é, se ela falar em inglês, claro!
EliminarTu e os calhamaços, ahahaha! Mas este vale a pena que prolongues os prazos vezes sem conta!
Beijinhos!
Chama-se Melanie, do canal Mel's Bookland Adventures. Fala em inglês, porque foi para Inglaterra há muitos anos, por amorrrrr! Gosto mais dela como pessoa do que dos seus gostos literários, porque geralmente lê fantasia, mistérios e ficção histórica, mas acho graça à posição dela em relação aos livros sobre as Guerras Mundiais: "Pessoal, eu sou alemã. Que é que acham que podem contar-me que eu não saiba já? Surpreendam-me!"
ResponderEliminarAi o amorrrr, que nos leva a fazer maluquices tão boasssss!
ResponderEliminarVou cuscar o canal dela, mesmo que também torça o nariz à fantasia, sobretudo! Também vou vendo vídeos de gente que lê coisas que muito provavelmente nunca lerei, mas gosto de ouvi-las/los, porque me entretêm e são divertidos!
Beijinhos!!!
Preciso urgentemente dessa magnífica obra. Vivo em Luanda (Angola), diga-me como posso obter
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