O fim da inocência (volume I), de Francisco Salgueiro



Ficha técnica
TítuloO fim da inocência – Diário de uma adolescente portuguesa
Autor – Francisco Salgueiro
Editora – Oficina do livro
Páginas – 222
Datas de leitura – 05 a 08 de agosto de 2018

Opinião
Este livro já esteve cá em casa em 2010 e, na altura, não lhe prestei atenção nenhuma. Veio da biblioteca da escola do maridinho e apenas ele o leu. Por essa razão, quando o trouxe da biblioteca municipal, entusiasmada com as opiniões que tenho lido e ouvido por aqui, arregalei os olhos perante o comentário do N. de que tinha quase a certeza absoluta de que já o havia lido. E mais espantada fiquei quando ele o confirmou, consultando o caderninho onde aponta todas as suas leituras. A leitura de que muitos vão aconselhando em blogues e canais do Booktube já havia estado em minha casa e eu tinha-a deixado passar…
Oito anos depois, o N. voltou a ler a história da Inês e mais uma vez primeiro do que eu. Tal como muitos bloggers e booktubers, também ele ma recomendou. Sabia de antemão que a narrativa se assemelhava a um diário e que me permitiria entrar pela porta mais íntima e sincera na vida de uma adolescente que, desde muito cedo, viveu e experimentou todos os caminhos e vias de um dia-a-dia regido pelo sexo, pelo álcool e pelas drogas. Tinha igualmente noção de que Inês fora o nome fictício que o autor dera à jovem que havia entrado em contacto com ele e lhe confidenciara como fora a sua vida desde os dez, doze anos até aos dezassete. Estava preparada para uma leitura deveras perturbante, crua, recheada de detalhes e de uma linguagem muito gráfica. Só não estava preparada para ler o livro a um ritmo quase frenético e não me entregar à história de Inês como pensava que me iria entregar.
Sou mãe de um pré-adolescente. Tenho consciência de que ele tem a mesma idade que a Inês tinha quando iniciou uma viagem degradante e chocante por um mundo ao qual nenhum adulto (quanto mais uma criança) deveria ter acesso. Sei que ele vai querer experimentar algumas coisas que são à partida banidas/proibidas e que o fará mesmo que eu lhe diga que não. Prevejo noites e horas de angústia quando ele sair com os amigos e frequentar lugares onde poderá ter a oportunidade de experimentar essas coisas que prefiro não nomear. Porém, mesmo tendo noção de tudo isso, considero-me uma mãe mais presente que a da Inês, considero o meu núcleo familiar mais unido e atento que o da protagonista da obra e sinto-me um bocadinho mais sossegada por tudo isso, porque pretendo dar ao meu filho o mesmo que me deram a mim, transmitir-lhe os mesmos ensinamentos que me transmitiram a mim e confiar que o seu crescimento será saudável e precavido. É verdade que o mundo em que ele está a crescer é bastante diferente daquele em que cresci, mas, mal penso nisso, recordo de imediato os meus doze, treze anos e o momento em que li Os filhos da droga, de Christiane F.. A jovem alemã havia vivido a sua adolescência e juventude antes de mim, era mais velha do que eu e o seu percurso não é muito distinto do da Inês, o que me leva a concluir que muito do que esta nos conta não é novidade, pois Christiane F. já mo havia contado muitos anos antes. Sejam os anos setenta, oitenta do século XX, seja a primeira década do século seguinte, estes comportamentos e escolhas degradantes e perturbadores sempre existiram e irão existir. Temos que estar atentos, temos que dar muito amor e carinho, não negar aquilo que existe, responder sem meias-verdades às perguntas que os nossos filhos nos façam. Temos que ser, nada mais, nada menos, que progenitores.
Regressando ao que disse anteriormente, sinto que não criei os laços que deveria ter criado com esta narrativa por duas razões aparentemente distintas. Por um lado, apesar de ter lido a história de Christiane F. há muitos e muitos anos (está pacientemente à espera de uma oportunidade de releitura), ainda a sinto muito presente e acabei fazendo comparações entre a sua juventude e a de Inês, “preferindo” a da miúda alemã. Por outro, nunca fui capaz de pôr de lado a sensação de que tudo o que Inês partilhou comigo era fictício. Talvez essa sensação não tenha sido mais do que um mecanismo de defesa de mãe horrorizada perante o que lia ou talvez tenha sido o estilo algo jornalístico da escrita do autor que me inibiu de sentir a partilha de Inês como real, verdadeira e de me emocionar, afligir, repugnar e querer abanar, apertar e abraçar uma menina que perdeu o sentido da vida demasiado cedo.
Não foi uma leitura que preencheu na totalidade as expectativas que tinha quando lhe peguei. Contudo, não posso dizer que não tenha sido produtiva e esclarecedora. Quero muito ler o próximo volume que nos dá a conhecer a perspetiva de um rapaz adolescente e da sua vida igualmente desregrada. Não o lerei nos próximos tempos, porque preciso de me afastar dos ambientes tóxicos associados a estas histórias de cortes abruptos na inocência de dois adolescentes. Mas fá-lo-ei em breve, já que esse volume II está à minha espera na biblioteca da terrinha. Entretanto, recomendo a leitura do volume I a quem estiver curioso e interessado numa leitura sem filtros, muito crua e que nos alerta a todos para os perigos que espreitam ao virar da esquina. E essa esquina não precisa de ser de um bar ou de uma discoteca. Pode ser da escola ou da casa de um amigo.

NOTA – 08/10

Esta foi a nona leitura que fiz para a maratona literária Bookbingo – Leituras ao sol 2 – e foi para a categoria Livro de não-ficção.

Sinopse
Aos olhos do mundo, Inês é a menina perfeita. Frequenta um dos melhores colégios nos arredores de Lisboa e relaciona-se com filhos de embaixadores e presidentes de grandes empresas. Por detrás das aparências, a realidade é outra, e bem distinta. Inês e os seus amigos são consumidores regulares de drogas, participam em arriscados jogos sexuais e utilizam desregradamente a internet, transformando as suas vidas numa espiral marcada pelo descontrolo físico e emocional. 
Francisco Salgueiro dá voz à história real e chocante de uma adolescente portuguesa, contada na primeira pessoa. Um aviso para os pais estarem mais atentos ao que se passa nas suas casas.

5 comentários:

  1. O teu marido recomendou-te um livro há anos e tu não ligaste? Ups... Já tens as malas à porta, calculo... ;-)
    Eu também ligo bastante às tuas recomendações, mas esta vou ter de passar. É como ler jornais, bastam-me as parangonas, não quero saber os pormenores escabrosos! E também li a Christiane F. mais ou menos com essa idade, mas tendo visto gente a acabar mal por causa da heroína, sou incapaz de voltar a pegar nele. Falando na Christiane, já leste A Minha Segunda Vida, 35 anos após aquela desgraceira toda? Eu não, mas gostei de a ver na capa, com tão bom ar.
    E que grande jogadora de bingo que me saíste!
    Paula

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    1. Não, ainda não tenho as malas à porta, principalmente porque temos gostos literários diferentes - ele gosta mais de narrativos simples e rápidas, onde a ação predomina!
      Confesso que não me senti ligada a esta história como pensei que ficaria... É demasiado chocante e enfrentei-a como enfrento algumas notícias que vou espreitando na TV, com uma carapaça de indiferença da qual não me orgulho muito, mas que me vai mantendo sã.
      Não, não li o segundo livro da Christiane, mas lembro-me bem da capa. Se a biblioteca o tivesse, lia-o, mas não tem...
      Ai, eu quando entro em alguma coisa é para levar até ao fim!! É como a minha mania das leituras cronológicas... Só mesmo para a minha teimosia ;)

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  2. confesso que é um livro que não me desperta qualquer curiosidade... demasiado "shock value"? será por não ter filhos? se calhar nunca saberei :)

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    1. Não, não é por não teres filhos, acredita. Mesmo sendo mãe, não me liguei a esta obra como pensei que iria ligar-me. Quando algo é too much, eu tendo a defender-me, criando uma distância que me permite manter a sanidade. E foi o que aconteceu com este livro. E shiu, não digas que eu disse isto, mas pareceu-me overrated... Mas é só a minha opinião, que vale o que vale.

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    2. Sempre me soou a overrated - não julgo!

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