Domingo, 31 de maio de 2015
Opinião
“… que
se trata de mais do que uma guerra de fronteiras, que se está a exterminar uma
raça.” (pág. 296)
Este fragmento da obra que terminei de
ler resume na perfeição o porquê de tanto eu como o meu maridinho preferirmos
ler livros que abordam a Segunda Grande Guerra do que a sua antecessora.
Comentei há pouco tempo num blogue que vou
seguindo (a propósito da obra O último
judeu) que a relação que mantenho com tudo o que se relaciona com esta
temática é um tudo ou nada obsessiva, uma mistura de amor e ódio. É
indescritível o quanto sofro com o que já li e vou lendo sobre as macabras e
desumanas atrocidades nazis, mas ao mesmo tempo, não consigo (e nem quero…)
resistir a comprar, a pedir emprestado, a reler qualquer obra que as retrate.
Por muito sofredora, traumatizante e dolorosa que seja, a guerra (e sobretudo a
de 39 – 45) é igualmente apaixonante, cativante, sedutora e por tudo isso uma
das minhas temáticas favoritas.
Ofereci A Bibliotecária de Auschwitz como prenda de Natal ao meu
maridinho (sim, ainda ando a ler livros que chegaram às nossas estantes nessa
festividade), mas foi uma daquelas prendas que é, por assim dizer, um “2 em 1”
– tanto faria as suas delícias como as minhas J. É claro que ele a leu primeiro (não tem as minhas
manias de ler tudo por ordem cronológica de chegada aqui a casa) e logo me
advertiu que, quando a lesse, teria que estar sempre munida do pacote de lenços
de papel… Não estranhei a advertência, não só porque choro com muita facilidade
como também sabia de antemão que a relação “Auschwitz
– extermínio – condições desumanas – mortes aos milhares” produziria essas
consequências “lacrimais”. Contudo, é com muita satisfação que digo que apenas
chorei uma vez e sei que isso se deve a alguma mestria do autor.
Antonio G. Iturbe faz-nos chegar uma
história baseada em factos e personagens verídicas. Conta-nos assim o percurso
de uma adolescente judia que, desde o início da guerra até ao seu final,
vivenciou experiências pungentes, terríveis, que a fizeram deixar a sua Praga
natal, a transportaram desde o gueto de Terezín até ao campo de Auschwitz e por
fim a levaram ao campo de Bergen Belsen, onde foi finalmente libertada pelas
tropas aliadas. Foi um percurso atroz, mas que não a quebrou, que nunca
conseguiu fazê-la sucumbir, que não lhe amputou as forças, a teimosia, a
determinação, o fogo que transmitia o seu olhar.
As bestas nazis não conseguiram vergar
Dita Adlerova porque esta menina de catorze anos estava rodeada de seus pais,
de um punhado de adultos resilientes e de oito livros. Oito livros que
milagrosamente chegaram a Auschwitz, passaram por todas as rondas diárias e
estavam à disposição das crianças do Bloco 31, instalado no campo BIIb, a que
chamam “campo familiar”.
Podemos considerar este “campo
familiar” um oásis na máquina de extermínio que era Auschwitz. Aí, deixavam que
as crianças vivessem, não lhes rapavam o cabelo e tinham uma rotina que, para
os nazis, era mais do que os descendentes dos “porcos judeus e das cadelas judias”
tinham direito. Sendo assim, no Bloco 31 funcionava o mais semelhante a uma
escola, com alguns adultos que se disponibilizavam a transmitir ensinamentos
aos petizes e a organizar com eles alguns eventos festivos, inclusive para
celebrar datas importantes do calendário judeu. Enfim… Uma fachada para tapar
os olhos dos enviados de organizações como a Cruz Vermelha Internacional e
dessa forma abafar os boatos das atrocidades que estavam a ser cometidas em
vários campos de concentração situados na Polónia.
Dita Adlerova tinha uma função vital
no Bloco 31. Era a sua bibliotecária, a guardiã do seu mais precioso tesouro –
os já referidos oito livros que ela, todos os dias, retirava do esconderijo,
escondia nuns bolsos (feitos de propósito) debaixo do vestido e punha à
disposição dos utentes da escola. Um atlas, um tratado de Geometria, um romance
e uma gramática russos, um livro de Freud, O
Conde de Montecristo (em francês), Uma
Breve História do Mundo e As aventuras
do Bravo Soldado Sveijk. A todos Dita trata como a um velho e
estimado amigo – “Abraça o monte de
folhas como abraçaria um velho amigo. Cola com um pouco de goma-arábica algumas
lombadas mais estragadas. Limpa com um pano e saliva uma capa suja pela terra
do esconderijo. Trata as feridas (…). Quando já não pode fazer mais nada para
repará-los, passa a mão pelas páginas para alisar os vincos. Mais do que
alisá-las, acaricia-as.” (págs. 319, 320)
Nunca conseguirei imaginar o que na realidade
Dita sofreu com os horrores da guerra. Mas consigo perfeitamente imaginar e até
compreender o prazer, o orgulho e a intrepidez que o seu cargo, o constante
contacto com os livros, as histórias que lia, recordava ou ouvia semeavam no
seu carácter já indomável e destemido. Porque os livros têm esse poder. A
leitura tem esse poder. “Tinha subido
para o comboio da leitura. Sentiu nessa noite a emoção de uma descoberta, a de
saber que não importava quantas barreiras os Reichs do planeta erguessem à sua
frente, porque se abrisse um livro poderia passá-las todas.” (pág. 95)
Por tudo o que escrevi até agora, é
muito fácil adivinhar o quanto esta obra me empolgou e cativou. Não só o autor
nos dá a conhecer mais um relato de uma extraordinária sobrevivente da maior e
mais mortífera máquina de extermínio como o faz com uma linguagem direta, sem
floreados, mas onde os pormenores mais macabros e mais angustiantes nos chegam
de forma suave, pouco detalhada e entrelaçados com outros polvilhados da
alegria e rotina possíveis num campo de morte. Aliado a isto, estão os livros,
esses milagrosos livros que também sobrevivem ao extermínio nazi e permitem que
Dita e outros valerosos judeus lutem até ao fim, não se rendendo, nem que isso
lhes custe a vida.
Termino esta opinião que já vai longa
com uma passagem que sublinha o quão “perigosos e subversivos” podem ser os
meus queridos livros:
“Ao
longo da história, todos os ditadores, tiranos e opressores, fossem arianos,
negros, orientais, árabes ou eslavos, fosse qual fosse a cor da sua pele, quer
defendessem a revolução popular, os privilégios dos ricos, o primado de Deus ou
a disciplina sumária dos militares, fosse qual fosse a sua ideologia, tiveram
uma coisa em comum: todos, sem exceção, perseguiram os livros com uma sanha
feroz. Os livros são perigosos, fazem pensar.” (pág. 15)
Deixo também uma foto da “verdadeira
Dita Adlerova” – Dita Kraus
NOTA – 10/10
Sinopse
Auschwitz-Birkenau,
o campo do horror, infernal, o mais mortífero e implacável. E uma jovem que
teima em devolver a esperança. Sobre a lama negra de Auschwitz, que tudo
engole, Fredy Hirsch ergueu uma escola. Num lugar onde os livros são proibidos,
a jovem Dita esconde debaixo do vestido os frágeis volumes da biblioteca
pública mais pequena, recôndita e clandestina que jamais existiu. No meio do
horror, Dita dá-nos uma maravilhosa lição de coragem: não se rende e nunca
perde a vontade de viver nem de ler porque, mesmo naquele terrível campo de
extermínio nazi, «abrir um livro é como entrar para um comboio que nos leva de
férias».
Mais uma vez fiquei rendido às tuas palavras e com vontade de ler esta obra. A segunda guerra mundial também é um tema que me fascina e que faz parte da "minha biblioteca".
ResponderEliminarObrigada pelo comentário simpático! É bom saber que "o clube dos fascinados pela segunda guerra mundial" continua a crescer :)
ResponderEliminarBeijinhos e boas leituras!