Sexta-feira, 19 de junho de 2015
Opinião
Primavera
con una esquina rota
confirmou o que já era uma verdade incontornável – tendo lido apenas duas das
suas obras, Mario Benedetti entra definitivamente para a categoria dos meus
autores favoritos.
A explosão de emoções
que havia saboreado com a leitura de A trégua voltou a avassalar-me e eu não
ofereci resistência alguma. Como poderia fazê-lo perante uma obra a que dei o
tratamento especial que apenas dou àquelas que me fazem mais e mais render-me
incondicionalmente à leitura?
Li Primavera con una esquina rota devagarinho,
saboreando cada página, sublinhando cada detalhe, cada pormenor, acariciando a
sua lombada, encostando-o ao peito, enfim, dediquei-lhe a atenção e o carinho
que dedico a tudo e a todos que dão aquele significado à minha vida, que me
preenchem e me fazem mais feliz. Livros como este de Benedetti são as minhas
joias.
Mal o abri, deparei-me
com uma surpresa que me fez duvidar do que estava a ler, porque não estava nada
à espera de ver a minha língua numa obra uruguaia:
“Se
soubesse que amanhã morria
E
a primavera era depois de amanhã,
Morreria
contente, porque ela era depois de amanhã.”
Fernando
Pessoa
Com o orgulho nos
píncaros (sabe tão bem ter mais uma prova do quanto a nossa Literatura é
grande!) e com a noção de que Benedetti já me tinha conquistado só com este
inesperado pormenor, embrenhei-me numa narrativa que nos chega (tal como O Manual dos Inquisidores, de
Lobo Antunes, não é, Nancinha?) dividida pelas diferentes perspetivas das suas
personagens principais – cada capítulo tem o seu respetivo título que
rapidamente associamos à personagem de Santiago, Graciela, Don Rafael, Beatriz
ou Rolando – bem como momentos biográficos (que se diferenciam por estarem escritos em itálico) e que nos fazem acompanhar vivências dos anos de exílio de
Benedetti.
A trama desta obra é
simples – as personagens principais e inclusive o próprio Benedetti são uns
exemplos mais das ditaduras e consequentes exílios que assolaram vários países
da América Latina nas décadas de 60, 70 e 80. Santiago personifica os milhares
de presos políticos que encheram as prisões do Uruguai, Chile, Argentina,
Peru…; Graciela, sua mulher, representa todas as esposas que, de um momento
para o outro, se viram sem os seus homens e foram forçadas a viver uma vida de
exilada – tanto no seu próprio país ou em terras estrangeiras, afastadas dos
seus, obrigadas a sustentar sozinhas uma família e a ser uma “viúva com o
marido vivo”, eternamente à espera da sua remota libertação; Beatriz é mais um
exemplo de um número incalculável de crianças a quem uns barrotes, muros altos
e guardas a mando de uma ditadura repressiva transformam em órfãos de pais
vivos; Don Rafael é, tal como o seu filho Santiago, um homem que comparte os
ideais de liberdade e justiça para todos, mas que, por isso mesmo, se vê
obrigado a deixar o seu país, a sentir a sua falta todos os dias e a tentar não
sentir-se estrangeiro na terra que o acolheu; por fim, Rolando é o amigo de
toda uma vida de Santiago, mas, como teve a sorte de não ser capturado, sente-se
na obrigação de cuidar da família do seu companheiro.
O que faz de Primavera con una esquina rota
uma obra inesquecivelmente deliciosa é a forma como Benedetti a conta, como se metamorfoseia
em cinco personagens ao mesmo tempo banais e únicas e nos dá a possibilidade de
tudo sabermos delas, de sermos os destinatários dos seus pensamentos, das suas
esperanças, dos seus medos, das suas dúvidas, enfim de os conhecermos como
ninguém.
Mario Benedetti é
sobretudo conhecido internacionalmente pela sua obra poética, bem mais vasta
que a sua obra de prosa. Contudo, esse lado poético encontra-se bem vincado nos
dois romances que já tive o prazer de ler. O seu estilo é intimista, ternurento,
com uma linguagem simples, comovente mas tão “certeira” e assim ideal para retratar
não só uma época dolorida do seu país como também o que pauta os complexos
relacionamentos humanos.
Provavelmente estarei
a repetir-me ao afirmar que amo Benedetti e que não descansarei enquanto não
ler todos os seus romances. Já com A
Trégua havia sentido esta avalanche de emoções (que apenas experimento com
uma grande e inolvidável obra) e agora, acompanhando o dia-a-dia de Santiago,
Graciela, Beatriz, Don Rafael e Rolando, voltei a sentir esse alvoroço de
sentimentos.
Resta-me referir que a
genialidade de Benedetti está ainda presente na forma como construiu as
personagens, sobretudo a pequena Beatriz, cujas atitudes, ideias e discurso são realmente típicas de uma criança, com “tiradas” inocentes e ao mesmo tempo assombrosas
que nos deixam, a nós adultos, pasmados e maravilhados com a sua inteligência e
perspicácia J
Tenho assim, por tudo
o que referi (e muito do que ficou por dizer, pois sinto que este texto não
transmite por completo o quanto Primavera
con una esquina rota mexeu com todas as fibras do meu ser), dar nota
máxima a esta leitura e recomendá-la vivamente!
NOTA – 10/10
Sinopse
Primavera con una esquina rota es un testimonio directo y
dolorido que trata de una sociedad escindida, fracturada por la represión y el
autoritarismo, e intenta ser un puente entre dos regiones –el Uruguay bajo la
dictadura y el Uruguay del exilio– que constituyen un solo y lacerado país. Más
allá de los aconte
Depois do que li só espero que haja ou esteja para breve a publicação desta obra em português.
ResponderEliminarObrigado pelo teu maravilhoso depoimento.
Também eu mantenho essa esperança! Benedetti merece ser conhecido e lido pelos portugueses!
EliminarObrigada e boas leituras!
Ana, há muito tempo que desejava manifestar por escrito o quanto gosto do teu blog! Sabes, pelas nossas conversas, que leio e “bebo extasiada” cada palavra dos teus comentários.
ResponderEliminarDesta vez (e já devias estar a adivinhar…) não pude resistir !
Eu, que tenho entre as minhas leituras preferidas La tregua e Manual dos Inquisidores, sei que Primavera con una esquina rota vai passar a ser também uma delas (se não a principal). E digo isto sem a ter lido ainda porque, para além do que conheço do estilo do autor e do tema, que tanto me toca neste preciso momento, tenho plena confiança nas tuas tão certeiras apreciações literárias.
Beijinhos e obrigada por partilhares a riqueza dos livros com “esta pequenina leitora”.
Nancinha, que surpresa tão boa!!!!
EliminarSim, eu sei que vais amar esta obra de Benedetti, que vais ficar completamente rendida às palavras deste "nosso" querido autor, tanto como eu fiquei :)
Obrigada pelas tuas palavras tão docinhas! Agora que já comentaste uma vez, podes e deves continuar a fazê-lo :)
Besitos, te quiero mucho!
Sou louca pra ler esse livro, mas não encontro pra comprar em site nenhum. Queria a versão em espanhol. Vc comprou o seu onde?
ResponderEliminarOlá e bem-vinda! Eu comprei este livro em Espanha numa livraria, porque em Portugal não há à venda. Tente na Amazon.es, pode ser que lá tenha.
EliminarBoa sorte! Beijinhos