Domingo, 28 de junho de 2015
Opinião
Um casal que se separou. Dois filhos
que ainda o une. Um emaranhado de recordações. Umas saborosas, outras
dolorosas. Um jantar partilhado para tomar decisões sobre quem fica com as
crianças nas férias de verão.
Uma narrativa crua, que põe a nu as
fragilidades e o quão complexas são as relações humanas.
Gaetano e Delia são dois jovens cujas
vidas casualmente se cruzam. Ele é aquele jovem que não sabe bem o que esperar,
o que desejar do futuro. Escrevinha alguns textos e aspira que os mesmos lhe
abram as portas desse futuro que se assemelha longínquo. Ela aproveita-se de
uma adolescência carregada de transtornos alimentares para ganhar o seu
sustento como nutricionista. Ambiciona viajar, saber mais para assim conhecer melhor
os outros e a si mesma. Os dois são o oposto um do outro, mas o amor que cresce
entre eles esbate essas diferenças, torna-as mais saborosas. A avalanche de
emoções que lhes enche o peito faz com que o resto do mundo pouco importe. É
essencial que se toquem, que se percam um no outro, que Gaetano se perca na
boca de Delia, nos seus dentes roídos pelo ácido de anos e anos de anorexia e
bulimia e que Delia se perca com o olhar nas feições assimétricas de Gaetano.
Rapidamente decidem viver juntos num
apartamento minúsculo mas que não consegue aprisionar aquele amor infinito que
os liga dessa forma tão especial, que permite a Gaetano olhar Delia e saber o
que ela está a pensar, sentir-se orgulhoso e feliz por ela o ter escolhido a
ele, a ele tão necessitado de afeto e de atenção.
Como pôde então um amor destes
terminar? Como consentiram eles que o seu casamento findasse em insultos,
discussões por ninharias, críticas, indiferença e em olhares onde antes havia
amor e agora há ódio, incredulidade e até asco?
É aqui que Mazzantini revela, uma vez
mais, a sua mestria, o seu perfeito conhecimento do carácter humano, daquilo
que realmente nos define enquanto homem e mulher que estão em constante busca
de afetos e que os perdem por egoísmo, por saturação e por outros motivos mais
ou menos obscuros.
É extremamente difícil manter um
casamento feliz. Não um daqueles casamentos em que ele e ela se mantêm juntos
por comodismo, pelos filhos, por razões religiosas ou por um número infinito de
outras justificações. Refiro-me a um casamento em que olhamos para o nosso
companheiro e continuamos a sentir vontade de afagar-lhe o rosto, de encostarmo-nos
ao seu peito e receber aquele abraço reconfortante, partilhar risos, olhares de
entendimento, angústias, pensamentos, emoções, enfim de partilhar com ele a
nossa rotina, a nossa vida. Gaetano e Delia mostram-nos que, por muito que nos
amemos, toda essa partilha, toda essa fusão podem dissipar-se sem que muitas
vezes nos demos conta. Quando o fazemos já é demasiado tarde e o que resta é
doloroso.
Os restos, as obras do casamento de
Gaetano e Delia amontoam-se como trapos dos quais nos queremos desfazer o mais
rápido possível. Delia não suporta olhar para aquelas feições assimétricas de
Gaetano que tanto amava sem agora sentir aquela sensação de asco que
infalivelmente nos acomete quando já nenhum afeto (a não ser ódio ou
indiferença) nos liga à outra pessoa. Gaetano faz aquilo que havia prometido
nunca fazer – inicia uma relação adúltera que sabe não ter qualquer futuro mas
que lhe dá aquilo que já não encontra em casa – a ser-se amado. Os filhos que
têm são vistos como empecilhos, como culpados da quebra da tal união perfeita
que havia entre os pais. A casa é uma amarga recordação de um passado que já
não volta e de um presente onde impera a amargura e sobretudo a solidão. Ou
seja, o conto de fadas não termina com o tradicional “Viveram felizes para
sempre”. A realidade, o desfolhar do dia-a-dia não o permitem. Nós não o
permitimos.
Como referi no início, a narrativa
desta magnífica obra de Mazzantini desenrola-se numa noite, mais propriamente
durante as horas em que Gaetano e Delia estão sentados frente a frente e tentam
ter uma conversa civilizada sobretudo sobre como lidarão com a partilha dos filhos
nas férias do verão. O diálogo que entabulam é então o suporte da obra, o que
nos possibilita conhecê-los intimamente e compreender aquilo que na verdade os determina
– estamos perante duas pessoas que se amaram muito e de cujo amor apenas sobrou
ressentimento, dor e sobretudo solidão. Uma solidão que se agudiza perante recordações
que lhes veem à memória, perante o exemplo de um casal mais velho que janta
perto deles e que partilha gestos de carinho dos quais Gae e Delia já desconhecem
o sabor, perante traços familiares do outro e que já não lhes pertencem. Uma
solidão que dói e que, por muito magoados que estejamos, queremos que
desapareça, nem que seja por um punhado de tempo. Porque a busca do amor, dos
afetos teimosamente continua aí…
Nadie
se salva solo é
assim mais uma obra intensa, que me perturbou, que me deixou atarantada e ao
mesmo tempo mais consciente do que nunca do quanto as emoções são a nossa vida.
É mais do que óbvio que recomendo a sua leitura, mesmo avisando de antemão de
que é um romance sofrido, difícil, doído. Como a vida o é frequentemente.
Não posso terminar esta opinião sem
referir que esta música dos U2 (ainda gosto mais de ti, Mazzantini, por
juntares as tuas palavras às de uma canção da maior banda do mundo) está muito
presente na obra:
NOTA – 09/10
Sinopse
Delia y Gaetano eran pareja. Ya no lo son, y han de aprender a
asumirlo. Desean vivir tranquilos pero, al mismo tiempo, les inquieta y seduce lo
desconocido. ¿En qué se equivocaron? No lo saben. La pasión del comienzo y la
rabia del final están todavía demasiado cercanas. En una época en la que parece
que ya está todo dicho, sus palabras y silencios dejan al desnudo sus
soledades, sus urgencias, sus recuerdos, y provocan brillos imprevistos al
poner en escena, una noche de verano, el viaje del amor al desamor.
Aclamada por la crítica y los lectores, Nadie se
salva solo es una de las grandes novelas de la literatura italiana actual:
la conmovedora historia de una pareja contemporánea.
Depois do que li só me resta esperar que esta obra seja editada em português e lê-la na companhia de uma das melhores bandas do mundo, os U2.
ResponderEliminarE estarás com a companhia perfeita!
EliminarBoas leituras!!!