Nadie se salva solo, de Margaret Mazzantini

Domingo, 28 de junho de 2015




Opinião
Um casal que se separou. Dois filhos que ainda o une. Um emaranhado de recordações. Umas saborosas, outras dolorosas. Um jantar partilhado para tomar decisões sobre quem fica com as crianças nas férias de verão.
Uma narrativa crua, que põe a nu as fragilidades e o quão complexas são as relações humanas.
Gaetano e Delia são dois jovens cujas vidas casualmente se cruzam. Ele é aquele jovem que não sabe bem o que esperar, o que desejar do futuro. Escrevinha alguns textos e aspira que os mesmos lhe abram as portas desse futuro que se assemelha longínquo. Ela aproveita-se de uma adolescência carregada de transtornos alimentares para ganhar o seu sustento como nutricionista. Ambiciona viajar, saber mais para assim conhecer melhor os outros e a si mesma. Os dois são o oposto um do outro, mas o amor que cresce entre eles esbate essas diferenças, torna-as mais saborosas. A avalanche de emoções que lhes enche o peito faz com que o resto do mundo pouco importe. É essencial que se toquem, que se percam um no outro, que Gaetano se perca na boca de Delia, nos seus dentes roídos pelo ácido de anos e anos de anorexia e bulimia e que Delia se perca com o olhar nas feições assimétricas de Gaetano.
Rapidamente decidem viver juntos num apartamento minúsculo mas que não consegue aprisionar aquele amor infinito que os liga dessa forma tão especial, que permite a Gaetano olhar Delia e saber o que ela está a pensar, sentir-se orgulhoso e feliz por ela o ter escolhido a ele, a ele tão necessitado de afeto e de atenção.
         Como pôde então um amor destes terminar? Como consentiram eles que o seu casamento findasse em insultos, discussões por ninharias, críticas, indiferença e em olhares onde antes havia amor e agora há ódio, incredulidade e até asco?
         É aqui que Mazzantini revela, uma vez mais, a sua mestria, o seu perfeito conhecimento do carácter humano, daquilo que realmente nos define enquanto homem e mulher que estão em constante busca de afetos e que os perdem por egoísmo, por saturação e por outros motivos mais ou menos obscuros.
         É extremamente difícil manter um casamento feliz. Não um daqueles casamentos em que ele e ela se mantêm juntos por comodismo, pelos filhos, por razões religiosas ou por um número infinito de outras justificações. Refiro-me a um casamento em que olhamos para o nosso companheiro e continuamos a sentir vontade de afagar-lhe o rosto, de encostarmo-nos ao seu peito e receber aquele abraço reconfortante, partilhar risos, olhares de entendimento, angústias, pensamentos, emoções, enfim de partilhar com ele a nossa rotina, a nossa vida. Gaetano e Delia mostram-nos que, por muito que nos amemos, toda essa partilha, toda essa fusão podem dissipar-se sem que muitas vezes nos demos conta. Quando o fazemos já é demasiado tarde e o que resta é doloroso.
         Os restos, as obras do casamento de Gaetano e Delia amontoam-se como trapos dos quais nos queremos desfazer o mais rápido possível. Delia não suporta olhar para aquelas feições assimétricas de Gaetano que tanto amava sem agora sentir aquela sensação de asco que infalivelmente nos acomete quando já nenhum afeto (a não ser ódio ou indiferença) nos liga à outra pessoa. Gaetano faz aquilo que havia prometido nunca fazer – inicia uma relação adúltera que sabe não ter qualquer futuro mas que lhe dá aquilo que já não encontra em casa – a ser-se amado. Os filhos que têm são vistos como empecilhos, como culpados da quebra da tal união perfeita que havia entre os pais. A casa é uma amarga recordação de um passado que já não volta e de um presente onde impera a amargura e sobretudo a solidão. Ou seja, o conto de fadas não termina com o tradicional “Viveram felizes para sempre”. A realidade, o desfolhar do dia-a-dia não o permitem. Nós não o permitimos.
Como referi no início, a narrativa desta magnífica obra de Mazzantini desenrola-se numa noite, mais propriamente durante as horas em que Gaetano e Delia estão sentados frente a frente e tentam ter uma conversa civilizada sobretudo sobre como lidarão com a partilha dos filhos nas férias do verão. O diálogo que entabulam é então o suporte da obra, o que nos possibilita conhecê-los intimamente e compreender aquilo que na verdade os determina – estamos perante duas pessoas que se amaram muito e de cujo amor apenas sobrou ressentimento, dor e sobretudo solidão. Uma solidão que se agudiza perante recordações que lhes veem à memória, perante o exemplo de um casal mais velho que janta perto deles e que partilha gestos de carinho dos quais Gae e Delia já desconhecem o sabor, perante traços familiares do outro e que já não lhes pertencem. Uma solidão que dói e que, por muito magoados que estejamos, queremos que desapareça, nem que seja por um punhado de tempo. Porque a busca do amor, dos afetos teimosamente continua aí…
Nadie se salva solo é assim mais uma obra intensa, que me perturbou, que me deixou atarantada e ao mesmo tempo mais consciente do que nunca do quanto as emoções são a nossa vida. É mais do que óbvio que recomendo a sua leitura, mesmo avisando de antemão de que é um romance sofrido, difícil, doído. Como a vida o é frequentemente.
Não posso terminar esta opinião sem referir que esta música dos U2 (ainda gosto mais de ti, Mazzantini, por juntares as tuas palavras às de uma canção da maior banda do mundo) está muito presente na obra:



NOTA – 09/10



         Sinopse
         Delia y Gaetano eran pareja. Ya no lo son, y han de aprender a asumirlo. Desean vivir tranquilos pero, al mismo tiempo, les inquieta y seduce lo desconocido. ¿En qué se equivocaron? No lo saben. La pasión del comienzo y la rabia del final están todavía demasiado cercanas. En una época en la que parece que ya está todo dicho, sus palabras y silencios dejan al desnudo sus soledades, sus urgencias, sus recuerdos, y provocan brillos imprevistos al poner en escena, una noche de verano, el viaje del amor al desamor.

Aclamada por la crítica y los lectores, Nadie se salva solo es una de las grandes novelas de la literatura italiana actual: la conmovedora historia de una pareja contemporánea.

2 comentários:

  1. Depois do que li só me resta esperar que esta obra seja editada em português e lê-la na companhia de uma das melhores bandas do mundo, os U2.

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