De amor e de sombra, de Isabel Allende

Domingo, 11 de novembro de 2012



Sinopse
De amor e de sombra, o segundo romance de Isabel Allende, relata a apaixonada relação de duas personagens dispostas a arriscar tudo em nome da justiça e da verdade, num país onde as detenções arbitrárias e execuções sumárias são uma prática constante.
A jornalista Irene Beltrán provém de uma família burguesa, mas isso não impede Francisco Leal, um jovem fotógrafo e membro da resistência, de se apaixonar por ela. A partir de uma reportagem rotineira, um mundo estranho, oculto pelo discurso oficial, é-lhes revelado, fazendo-os sentir-se responsáveis perante os factos cruéis que se sucedem. É nas sombras do poder, do abuso e das injustiças que o amor de Irene e Francisco se aprofunda.
Isabel Allende confirma-se como uma narradora de histórias fantásticas, dando vida a personagens que quase saltam das páginas: a mãe decadente e ignorante de Irene, o impulsivo e temerário pai de Francisco e Mário, uma celebridade homossexual e um subversivo sem medo. Esta é uma história fascinante de tragédia e de êxtase, de valentia e de sacrífico - um romance comovente e estimulante.

Opinião
Li De amor e de sombra pela primeira vez em 1999, quando N. mo ofereceu, e desde aí que, sempre que olhava para a sua lombada repetia para mim mesma que teria que voltar a lê-lo, que teria que voltar a perder-me na sua narrativa idílica, mágica e, ao mesmo tempo, muito real! E finalmente fiz a vontade a essa vontade - e que prazer me deu!
No prefácio escrito pela própria autora, lemos um trecho que nos prende de imediato a atenção e nos pede que descubramos a história desse homem e dessa mulher, que a guardemos e que a partilhemos para que não seja esquecida:
Esta é a história de uma mulher e de um homem que se amaram plenamente, salvando-se assim de uma existência vulgar. Guardei-a na memória de forma a que o tempo a não desgastasse e é só agora, nas noites silenciosas deste lugar, que finalmente posso contá-la. Fá-lo-ei por eles e por outros que me confiaram as suas vidas, dizendo: toma, escreve, para que o vento não o apague.

É óbvio que quem conhece Isabel Allende e a sua obra, sobretudo os primeiros romances concorda comigo quando digo que esta autora e a sua escrita estão indissoluvelmente entrelaçadas com a história do seu país natal, Chile, com os seus mitos, as suas superstições, uma realidade que comunga com a fantasia e a magia e, não menos importante, com as barbaridades e a cruel falta de liberdade que a ditadura de Pinochet impôs ao povo chileno durante demasiados anos. Tudo isto povoa a obra que terminei de reler com uma mistura de sensações antagónicas, como sempre são as sensações que me percorrem quando leio uma obra que retrata um período negro da história de qualquer país ou de qualquer povo.
Essas sensações antagónicas ainda mais se agudizaram com o desenrolar desta narrativa, porque a par de relatos de situações cruéis e desumanas vivemos a história de amor de Irene e Francisco, um amor que realmente os salva de uma existência vulgar, das sombras da história do seu país. E que bem que Isabel Allende narra esse amor! Já para não falar da descrição, repleta de erotismo e de sensualidade, da primeira vez que os dois fazem amor, em plena comunhão com a natureza! É uma descrição tão intensa que dificilmente a esqueceremos!

Para que realmente se compreenda o quão alguns trechos da obra são intensamente bem escritos e por essa razão nos podem deixar em êxtase literário, partilho aqui um exemplo perfeito disso mesmo:

 Irene colheu uns talos de erva e levou-os à boca, mordendo-os para chupar a seiva. Voltou-se, fitou o amigo e ele sumiu-se nos seus olhos nublados. Sem pensar, Francisco atraiu-a para si e procurou a sua boca. Foi um beijo casto, tépido, leve, mas teve o efeito de um abalo telúrico nos seus sentidos. Cada um percebeu a pele do outro, nunca antes tão nítida e próxima, a tensão das mãos, a intimidade de um contacto ansiado desde o começo dos tempos. Um calor palpitante invadiu-lhes os ossos, as veias, a alma, algo que não conheciam ou tinham esquecido por completo, pois a memória da carne é frágil. Tudo desapareceu ao seu redor. Para eles apenas contavam os lábios unidos, dando e recebendo. Na verdade, foi apenas um beijo, a sugestão de um contacto esperado e inevitável, mas ambos estavam certos de que este seria o único beijo que poderiam recordar até ao fim da vida e, entre todas as carícias, a única que lembrariam com saudade.


É por isto que Isabel Allende me conquistou!

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